Especialistas em urbanismo avaliam que a readequação da fachada da loja Leroy Merlin, no Pontal Shopping, na zonal sul de Porto Alegre, traz pequenas melhorias no visual e no microclima, mas não resolve o problema de sua construção ter se tornado uma barreira à contemplação e à conexão da Avenida Padre Cacique com a orla do Guaíba. Em uma análise mais crítica, as intervenções planejadas são classificadas como “maquiagem”.
Pela concepção original e projeções do Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU), o estabelecimento deveria ter uma fachada ativa, com circulação de público, portas de entrada e saída e estruturas envidraçadas que permitissem a conexão visual desde a Avenida Padre Cacique com o parque do Pontal e o Guaíba.
A finalização da obra, contudo, revelou que a Leroy Merlin, loja de material de construção e decoração, tornou-se um paredão pintado de branco. E com poucas portas. Um obstáculo à conexão urbana e à circulação de público. A prefeitura emitiu a primeira notificação requerendo a readequação da fachada em dezembro de 2022, antes da inauguração do Pontal Shopping, em abril de 2023. Isso resultou na instalação, após o início das atividades, de vasos horizontais com folhagens no paredão, o que foi considerado insuficiente.
Agora, em 18 de janeiro de 2024, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) aprovou um projeto apresentado pela Leroy Merlin que prevê três novas intervenções. Duas delas serão feitas defronte à Avenida Padre Cacique: o envidraçamento de uma parcela do imóvel e a colocação de mais trepadeiras para formar uma parede verde. A terceira consiste na instalação de estrutura verde artificial voltada à área de contemplação do parque do Pontal. O cronograma para a finalização das melhorias é de seis meses. A empresa não informou o investimento estimado.
Para Clarice Oliveira, co-presidente da seção gaúcha do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RS) e professora do Programa de Pós-graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PROPUR UFRGS), as medidas anunciadas podem minimizar o problema.
— Uma parede verde de plantas naturais é positiva porque vai diminuir o calor naquele microclima, com menos concreto. Vai ficar mais agradável, mas continuará sendo um paredão sem interface com o outro lado. Não vai deixar de ser uma barreira — avalia Clarice.
Para ela, o problema está na origem, quando foi autorizada a construção de uma loja âncora de grande porte naquela localização. A maioria dos acessos ao estabelecimento ocorre em veículos particulares e a ciclovia foi deslocada para o interior do parque, fatores que afastam a circulação de pessoas naquele trecho. Clarice entende que uma “fachada ativa” poderia ser alcançada com uma fórmula que envolvesse número maior de comércios naquela fração e com mais espaços públicos intercalados.
— Em parte, é um problema de perfil. É uma loja que ocupa muitos metros quadrados. Um uso exclusivo para área muito grande. É diferente de ter estabelecimentos para vários públicos, em distintos horários e com atrações de diversos interesses. Isso seria uma fachada ativa com mais fluidez — afirma Clarice.
As características mencionadas pela especialista podem ser observadas no trecho oposto do Pontal Shopping, de frente para o Guaíba e o parque construído no local. Mas, para quem olha da Avenida Padre Cacique, o que ficou é a sensação de barreira, destaca.
Professor titular da Faculdade de Arquitetura da UFRGS, Benamy Turkienicz reforça que houve um problema de concepção de projeto. Ele afirma que a gestão pública poderia ter verificado todas as características relevantes ao analisar a planta baixa do empreendimento, antes do licenciamento.
— Caberia à prefeitura ter conferido esses aspectos no projeto e não depois de ter a obra pronta. Isso é muito importante. Todas as queixas poderiam ter sido notificadas ao empreendedor antes. Depois de construído, é muito difícil reverter uma coisa dessas — diz Turkienicz.
Ele avalia que, mesmo uma loja extensa como a Leroy Merlin, poderia ter alcançado o conceito de fachada ativa se tivesse sido planejada a instalação de pequenos comércios e atrações na sua face frontal e mais portas de acesso.
— O conceito de fachada ativa envolve fundamentalmente a articulação dos edifícios com os espaços de circulação. O edifício voltado à via pública precisa de permeabilidade entre os espaços internos e externos. São portas de entrada e saída. A circulação vai irrigar a fachada ativa. O Pontal Shopping (em referência ao trecho da Leroy Merlin) não tem esse desempenho. Ele tem muita fachada cega e as entradas da Avenida Padre Cacique são principalmente para automóveis. Isso confere um grau de aridez muito alto. Não é amigável ao pedestre — avalia o especialista.
Ele também é crítico quanto à “permeabilidade” do imóvel com o Guaíba. O prédio obstrui a visão de quem está na Avenida Padre Cacique, escondendo o cartão-postal de Porto Alegre. A Leroy Merlin apresentou a ideia, aprovada pelo município, de instalar uma placa envidraçada sobreposta em um trecho da parede vários metros acima do nível da calçada. Ou seja, através desta vidraça o pedestre não enxergará nada.
— Deveria ter canais que permitissem visualizar o rio. Um túnel no edifício que possibilitasse enxergar é algo possível. Botar vidro não dá permeabilidade nenhuma. É uma maquiagem. O que estamos vendo é uma coisa que não instrumentaliza a fachada ativa nem a relação do rio com a cidade — diz Turkienicz.
A Leroy Merlin, ao apresentar a proposta de readequação, manifestou o entendimento de que obedeceu a todas as premissas técnicas originais, mas disse que concordaria em fazer ajustes na fachada “com o intuito de atender da melhor forma possível os munícipes da cidade de Porto Alegre”.
Procurada pela reportagem, a loja se manifestou em nota, sem informar o investimento previsto para as intervenções: "A empresa confirma que, após solicitação da prefeitura, o projeto foi elaborado, apresentado e aprovado, e será executado nos termos exigidos, dentro do prazo estabelecido."
Titular da Smamus, Germano Bremm avalia que as intervenções trazem avanços.
— Entendemos, depois de finalizado o projeto, que especialmente aquela parte da Leroy não estava de acordo com a expectativa de padrão arquitetônico e de paisagem urbana. Notificamos e argumentamos que tinha constado no Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) a necessidade de certa vitalidade na fachada. Acho que conseguimos compor um meio termo que vai ser cumprido. São pequenas melhorias — afirmou Bremm.
A reportagem buscou a análise sobre o caso do Sinduscon-RS, entidade que congrega as empresas de construção civil do Estado, mas não houve retorno até a publicação.