A ex-ginasta Daiane dos Santos inaugurou nesta sexta-feira (17) uma obra de arte do tamanho de sua importância para o esporte. Ela é a protagonista de um mural de 50 metros de altura pintado pelo artista Kelvin Koubik, que eterniza em cores sua trajetória vencedora. A intervenção foi feita na empena do prédio da Fecomércio-RS, ao lado do viaduto da Conceição, Centro de Porto Alegre. O momento foi marcado por emoção e declarações de gratidão à família e ao esporte.
— Estar neste espaço representa que o povo negro existe no Rio Grande do Sul, que muitas pessoas às vezes acham que aqui não existem pessoas pretas. Nós existimos. E mostra que as pessoas pretas e negras são vencedoras também. Recebo muitas homenagens, mas esta é especial por ser na minha casa e não é só pela ginástica, mas pras mulheres pretas, pras pessoas negras deste Estado. Espero que sirva de inspiração pra todos — expressou Daiane, em cerimônia na manhã desta sexta-feira (17).
Daiane e o artista demonstraram uma admiração mútua ao longo do evento. Além de posarem abraçados para as fotos em frente ao mural, a ex-atleta presenteou Koubik com uma de suas medalhas dos tempos de ginasta. O portoalegrense Koubik também praticou ginástica artística e atletismo ao longo da infância e adolescência.
É o segundo ano consecutivo em que ele e sua equipe faz mural que a Virada Sustentável presenteia a cidade. Em 2022 a figura que ganhou as paredes da Capital foi o ambientalista José Lutzemberger. A Virada Sustentável tem como objetivo ampliar o debate sobre os objetivos da agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), entre eles a sustentabilidade socioambiental e o racismo.
— A conquista está em segundo plano no mural. O primeiro mostra a mulher, que é a conquistadora e o exemplo, criado por essa bela família que a gente vê aqui — declarou o artista, contendo as lágrimas.
Quatro atletas da ginástica artística do Grêmio Náutico União (GNU), que são atualmente treinadas pelos técnicos que treinaram Daiane entre 1990 e 2012, foram ao evento prestigiar a ídola. Rafaela Oliva, 19, Clara Stecca, 15, Maria Eduarda Andrade, 14 e Andreza Lima, 16, participam do programa que prepara atletas para a seleção brasileira, inclusive com períodos de treinos no Rio de Janeiro.
— Além de nos acompanhar de perto atualmente, ela me inspirou muito no começo. Eu via vídeos das apresentações dela quando comecei na ginástica ainda em 2015, tinha 7 pra 8 anos — disse Andreza, natural de Belém do Pará, de onde veio com Maria Eduarda, em 2018 para treinar com Adriana Alves e Eliseu Burtet no GNU.
— A gente sempre trabalha para emplacar atletas na elite nacional e ter destaque internacional, mas é muito difícil juntar todas as qualidades e a personalidade que a Daiane desenvolveu — complementa Eliseu, apelidado de Kiko.
Tanto para Kiko e Adriana quanto para Magda, a mãe, e Moacir, o pai, ver Daiane sorrindo em um mural na principal entrada da cidade é um reconhecimento também para a dedicação dos técnicos e da família. Nas recordações dos anos 1990, é consenso de que nenhum dos participantes da história imaginava onde Daiane chegaria, ainda que todos acreditassem e torcessem pelo desenvolvimento dela.
— Via as competições com certa aflição, mas muita confiança porque víamos que ela era boa. Não conseguia viajar pra fora do Brasil por conta dos custos e agendas, mas em outros estados do país eu ia. Por muitos anos fomos o “paitrocinio” e o “mãetrocinio” dela — relembra Magda, 62, servidora pública na Capital.
Pioneirismo
O protagonismo de Daiane e a arte de Koubik foram enaltecidas pelo coordenador da Virada Sustentável de Porto Alegre, Vitor Ortiz. Para ele, a representatividade de uma mulher negra que prosperou a partir do esporte e hoje atua socialmente é um exemplo que o evento se orgulha de mostrar para a cidade:
— O mural da Daiane fala sobre a redução das desigualdades que estão presentes na sociedade de diversas formas, entre elas o racismo — justificou.
A fala da vice-presidente da Fecomércio, Maria Tereza Menegotto, enalteceu a adesão do prédio ao ideal do evento cedendo a parede externa para o mural.
— Daiane é um exemplo de superação, talento e sucesso no nosso Estado, tendo sido precursora na ginástica em nosso país — destacou.
O técnico Kiko lembra que o desempenho de Daiane na ginástica, coroado com o título mundial em 2003, abriu portas para atletas das novas gerações. Desde as contemporâneas da gaúcha até as novas gerações, que já terão Rebeca Andrade como novo patamar de atleta vitoriosa a nível mundial, devem reconhecimento a criadora dos saltos "Dos Santos".
— Naquele momento da Daiane, vencer um Mundial era inimaginável na ginástica do Brasil. Ela abriu as portas para o esporte brasileiro. Fomos campeões em um período em que não éramos referência competitiva em nível mundial. Para se ter uma ideia, um torneio juvenil que ela ganhou na Austrália, em 1998, não tinha nem o hino brasileiro para reproduzir, pois o país não tinha chance de pódio até então — contou Kiko, entre beijos e abraços trocados com familiares de Daiane.