O Ministério Público (MP) do RS pretende "monitorar toda a situação", após conferir os impactos causados pela extração de 103 árvores durante a execução das obras do Parque Maurício Sirotsky Sobrinho, o Parque Harmonia, em Porto Alegre. As intervenções estão sendo conduzidas pela GAM3 Parks, vencedora da licitação para administrar o local e o trecho 1 da Orla pelo período de 35 anos.
— Instauramos inquérito civil público e vou, oportunamente, chamar os representantes da empresa aqui na promotoria. Combinar com eles para mandarem, aqui para o MP, também os relatórios que enviam para a Smamus (Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade) — revela a promotora de Justiça do Meio Ambiente de Porto Alegre, Annelise Steigleder.
— Quero monitorar de perto a situação para garantir que aquele parque seja completamente restaurado, porque ele está bem mexido mesmo — atesta.
Segundo a promotora, que comandou a vistoria ao canteiro de obras do empreendimento na quinta-feira (6), o MP quer ter acesso aos documentos da concessionária.
— Requisitamos toda documentação que ainda não tínhamos, como o laudo de cobertura vegetal, de fauna e os relatórios de monitoramento da vegetação — explica, dizendo que espera receber o material ainda durante esta semana.
Nos últimos dias, imagens mostrando o parque com aspecto de devastação circularam em redes sociais e grupos de WhatsApp. As frondosas copas de árvores cederam lugar a grandes vazios.
— Vamos ter cópia da documentação toda e teremos condições de confrontar tudo o que foi planejado com o que está sendo executado. Requisitei cronograma das intervenções, o anexo que fala dos indicadores de desempenho, que também há para a fauna e a flora. Inclusive será objeto de aferição de uma entidade independente — relata a promotora.
Quero monitorar de perto a situação para garantir que aquele parque seja completamente restaurado, porque ele está bem mexido mesmo
ANNELISE STEIGLEDER
Promotora de Justiça do Meio Ambiente de Porto Alegre
O MP também planeja se reunir com o Tribunal de Contas do RS (TCE-RS), que visita frequentemente o canteiro de obras. Além disso, a atuação da Smamus será acompanhada atentamente pelo MP.
— Queremos saber do TCE qual a impressão que eles têm do projeto — adianta a promotora.
A prefeitura de Porto Alegre, por meio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus), emitiu, em 19 de dezembro do ano passado, autorização especial para a extração de 432 árvores no local. Segundo a GAM3 Parks, foram retiradas, até agora, 103, sendo que 42 delas estariam em situação fitossanitária considerada debilitada e algumas até mortas. O Harmonia possuía 1.253 árvores, entre nativas e exóticas, antes de sua concessão.
Arquitetos afirmam que projeto não é o original
O arquiteto Alan Cristian Furlan, ex-diretor do consórcio e um dos responsáveis pela elaboração do projeto de reforma, afirma que o que está em execução não é o projeto inicial aprovado pelo Conselho do Plano Diretor e autorizado pela prefeitura da Capital.
— Aprovamos o plano de intervenções dentro da prefeitura e depois o EVU (Estudo de Viabilidade Urbanística). A GAM3 optou por chamar outra empresa, que fez esse procedimento incorreto sem a nossa autorização, e começaram a executar essa nova versão — menciona.
O arquiteto destaca que o projeto inicial mexeria com pouco mais de cem árvores, e que o "projeto deles (o atual) mexeria com 432." O profissional fez uma denúncia formal ao Conselho de Arquitetura e Urbanismo do RS (CAU-RS) e ao próprio MP, no qual teve o apoio do vereador Aldacir Oliboni (PT) e das entidades ambientais Ingá Estudos Ambientais, Acesso e Atuapoa.
— Defendemos um projeto que tinha toda uma questão ambiental. Não tinha esse impacto de terra arrasada que está acontecendo ali — critica Furlan.
— Nosso projeto mexia o mínimo possível de terra exatamente para não criar esse impacto — completa.
Ele destaca que o conceito original mantinha a topografia do Harmonia, sem o aterramento e o nivelamento que estão sendo promovidos. Também garantia a arborização do local.
— Essa questão de elevar o nível do passeio e afundar as áreas gramadas é algo que não segue o que tínhamos realizado. E até preocupa, porque, olhando de cima, tem várias áreas alagadas — percebe a arquiteta Eliana Castilhos, que trabalhou junto de Furlan na elaboração do projeto inicial.
Essa questão de elevar o nível do passeio e afundar as áreas gramadas é algo que não segue o que tínhamos realizado. E até preocupa, porque, olhando de cima, tem várias áreas alagadas
ELIANA CASTILHOS
Arquiteta
— Eu vi manifestações da empresa (GAM3 Parks) dizendo que o projeto que está sendo implantado é o do EVU. E não é — contesta Eliana, que questiona onde está divulgado pela concessionária o projeto em execução neste momento.
Por sua vez, a arquiteta responsável e diretora administrativa da GAM3 Parks, Carla Deboni, garante que o projeto em desenvolvimento é o original.
— O projeto é o original — assegura Carla.
— O projeto obedeceu a todas as diretrizes do EVU e não teve nenhuma alteração que fizesse justificativa de passar por uma nova aprovação — acrescenta.
A concessionária alega que "o projeto obedeceu todas as diretrizes e instâncias estabelecidas pela prefeitura municipal" (veja abaixo a resposta na íntegra).
Comissão de Saúde e Meio Ambiente quer ver licença
O vereador Aldacir Oliboni (PT) ressalta que será realizada uma reunião pela Comissão de Saúde e Meio Ambiente (Cosmam) nesta terça-feira (11), às 10h, na Câmara Municipal. O objetivo será ver se a concessionária tem como exibir para os vereadores o projeto e a licença autorizados.
— Há certa irregularidade fundamental: tem um projeto aprovado com Estudo de Viabilidade Urbanística e pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental. Mas demitem o autor do projeto, a GAM3 modifica o projeto e executa outro, que, na origem, não tem a licença ambiental — observa.
Na semana passada, Oliboni afirmou que, se tivesse ocorrido alteração no EVU para se ampliar a autorização de remoção de árvores, seria preciso atualizar o documento e aprovar no Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental.
O projeto obedeceu a todas as diretrizes do EVU e não teve nenhuma alteração que fizesse justificativa de passar por uma nova aprovação.
CARLA DEBONI
Diretora Administrativa da GAM3 Parks
— Amanhã (terça), eles (GAM3 Parks) teriam de apresentar para nós esse novo projeto e licença autorizados. Acredito que eles não possuem esses laudos — opina Oliboni, citando que o próprio MP solicitará os documentos para a concessionária.
Questionado se os vereadores pensam em pedir a paralisação das obras novamente caso a concessionária não exiba a autorização, Oliboni antecipa que sim.
— Os vereadores vão acompanhar os ambientalistas se surgir uma petição.
Obras serão paralisadas no Acampamento Farroupilha
Durante o Acampamento Farroupilha deste ano, as obras serão interrompidas temporariamente. A programação será realizada entre os dias 1º e 20 de setembro, sendo que a construção dos piquetes começará no mês anterior, em agosto.
A previsão é de que o empreendimento no Harmonia seja concluído até o fim de 2027. Ao final da concessão de 35 anos, os recursos aplicados têm estimativa de alcançar R$ 281 milhões. Em troca, a concessionária terá o direito de explorar de forma comercial o espaço para a realização de robustos eventos, com estacionamento e área construída em até 20% do terreno. Segundo a GAM3 Parks, foram investidos R$ 20 milhões até o momento.
O que diz a GAM3 Parks
A reportagem de GZH encaminhou uma série de questionamentos à concessionária responsável pelas obras no Harmonia. Confira, abaixo, as alegações:
"O projeto obedeceu todas as diretrizes e instâncias estabelecidas pela prefeitura municipal. O EVU é uma peça referencial complementada pelos projetos executivos. Portanto, o projeto em execução não teve alterações, mas complementos e ajuste de execução.
Os direitos sob o projeto são de titularidade de GAM3 Parks, conforme acordo de sócios, e eventuais ajustes foram feitos de comum acordo em coautoria entre os arquitetos.
No parque devem ser feitas obras de drenagem inclusive com a construção de bacias de amortecimento, e, portanto, nivelamento e caimentos mínimos. A retirada de árvores foi devidamente licenciada pelos órgãos competentes e está sendo fiscalizada pelo Ministério Público. Até o momento foram retiradas 103 árvores, das quais 42 estavam com estado fitossanitário ruim ou mortas. No momento estamos avaliando se será necessário mais alguma supressão.
Mais nenhuma árvore foi retirada e estamos fazendo uma criteriosa avaliação para o projeto sofrer alguma adaptação técnica, assim evitando que outros vegetais sejam removidos. Avaliação em andamento.
A empresa vem sendo fiscalizada regularmente pela prefeitura e na última quinta-feira pelo Ministério Público sobre a questão ambiental."
O que diz a prefeitura
Por meio da Smamus, a prefeitura de Porto Alegre também se manifestou sobre a polêmica. Confira, abaixo, os questionamentos de GZH e as respostas:
O projeto atualmente em execução no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho é o mesmo aprovado pelo Conselho do Plano Diretor e autorizado pela prefeitura?
"Na tramitação da aprovação de projetos, há uma diferença entre o EVU (Estudo de Viabilidade Urbanística) e o projeto executivo, apresentado para fins de concessão do alvará de construção. São etapas diferentes e subsequentes no processo de aprovação de projetos especiais de impacto urbano. O EVU é o projeto aprovado pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Ambiental (CMDUA), a quem compete aprovar EVUs de segundo e terceiro graus. Trata-se de etapa na qual são analisados aspectos macro do projeto: sua conformação à paisagem urbana como um todo, sua compatibilização com o entorno em que se insere, a consecução dos princípios do Plano Diretor, a solução dos impactos urbanísticos e ambientais da proposta, dentre outros aspectos.
Ou seja: é uma etapa na qual são emitidas diretrizes e estratégias a fim de que o projeto reflita os preceitos que regem o desenvolvimento urbano do município sem, contudo, apresentar um nível de detalhamento maior que sirva ao fim de executar o projeto. Afinal, o CMDUA é um órgão político, que conta com conselheiros democraticamente eleitos não sendo, portanto, uma instância de análises técnicas que avaliem o perfeito atendimento às necessidades arquitetônicas ou de engenharia para a efetiva implantação do projeto. Assim, é comum e usual que entre a aprovação das diretrizes do EVU e a aprovação do projeto executivo sejam necessários ajustes a fim de que a proposta se adeque não só urbanística mas também tecnicamente no que tange a questões de engenharia, drenagem, arquitetura etc.
No caso do parque Harmonia, entre as duas etapas mencionadas – aprovação do projeto especial pelo CMDUA e aprovação do projeto executivo para obtenção do alvará de construção – foi inserida uma nova bacia de amortecimento. Tal inovação foi tida como necessária a fim de proporcionar uma melhor drenagem à área e, consequentemente, uma melhor utilização do local pelos seus usuários. Trata-se de alteração de pequena monta e que não altera as diretrizes ou as análises macro realizadas no âmbito do CMDUA. Tanto é verdade que não se averiguou a necessidade de que o projeto fosse analisado novamente pelo Conselho. Por fim, o projeto executivo aprovado – ressalte-se, por meio de escrutínio técnico – condiz com o que está sendo realizado na prática pela concessionária."
Se houve alguma alteração de percurso, ou mais de uma mudança, quais foram exatamente?
"Como referido acima, não houve alteração desde a aprovação do projeto executivo e a consequente concessão do alvará de construção. Entre esta etapa e a de EVU, foi inserida uma bacia de amortecimento para melhor adequação da drenagem do terreno."
O que a Smamus tem a dizer sobre a alegação do arquiteto Furlan de que a GAM3 Parks modificou o projeto original sem autorização dos autores?
"A suposta falta de autorização para modificação de projeto arquitetônico é uma questão de direito privado, devendo ser dirimida pelas pessoas de direito privado afetadas pela matéria, não cabendo à prefeitura adentrar nessa seara. À SMAMUS compete a análise da conformidade do projeto a todas as normas e preceitos urbanísticos e ambientais pertinentes, não a averiguação da autoria do projeto, o que, repise-se, diz respeito à relação privada, em sendo uma demanda de propriedade intelectual. Eventual fiscalização do cumprimento das normas éticas e de conduta da profissão de arquiteto tampouco concerne à prefeitura, devendo ser investigada pelo conselho profissional, que é quem tem essa atribuição.
Reforçamos que o projeto do Parque Harmonia foi aprovado pela prefeitura e é fiscalizado semanalmente por técnicos do Smamus."
Segundo o arquiteto Furlan, o projeto original mantinha o parque sem aterramento e sem nivelamento, e não propunha derrubada de árvores. Por que isso foi alterado?
"Como dito, a implantação do projeto está em consonância com o projeto executivo o qual, por sua vez, condiz perfeitamente àquele aprovado pelo CMDUA. A essa tramitação foi dada total transparência e publicidade, como a transmissão da sessão que aprovou o EVU pelo canal do Youtube da Smamus. Convém ressaltar que desde o começo da tramitação do processo de aprovação foi prevista a supressão de árvores, não tendo havido nenhuma mudança nesse sentido, sendo que essa extração sempre foi prevista de ser acompanhada de respectivo plantio compensatório."
Até esta segunda-feira, se mantém o número de 103 árvores extraídas?
"Sim, nenhuma árvore além desse número foi extraída."