Quando o ônibus não chega, atrasa ou ignora quem está no ponto, a primeira reação do passageiro (e quase sempre a única) é passar raiva. Porém, é possível reclamar com a prefeitura para que isso mude. Em 2022, foram 2.589 reclamações registradas em Porto Alegre. E esse é o número só para as 10 linhas com mais queixas. Quem liderou o ranking foi o itinerário 286/Belém Velho/UFRGS, que liga o bairro da Zona Sul ao campus do Vale da UFRGS, na Zona Leste.
Proporcionalmente ao número de usuários que carrega, a 286 foi a linha alvo de mais reclamações na Capital — uma para cada 4.992 passageiros transportados. A pedido de GZH, a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) levantou as 10 linhas que mais tiveram relatos feitos pelos usuários através dos telefones 156, 118 ou pelo aplicativo 156+POA, no período entre janeiro e novembro. Os dados foram cruzados com o número de usuários transportados por essas linhas. Com o cruzamento de informações, é possível saber de maneira proporcional quem foi alvo de mais reclamações.
Comparação
No auge da pandemia, o transporte público foi um dos grandes setores afetados com a redução da circulação. Nos dois últimos anos, com o arrefecimento da doença, a mobilidade humana aumentou e os ônibus precisaram voltar a circular. Em Porto Alegre, o número de usuários transportados em 2022 chegou a quase 140 milhões (entre janeiro e novembro, dados mais recentes da EPTC). O número representa 64,7% do mesmo período de 2019, último ano antes da pandemia, quando quase 216 milhões usuários embarcaram nos coletivos da Capital.
E na comparação entre os mesmos períodos de 2021 e 2022, houve aumento de 34,3% nos passageiros transportados — 104 milhões em 2021, ante os 140 milhões do ano passado. Com esse aumento, é necessário que horários também sejam incrementados. E mesmo com viagens constantemente sendo criadas pela prefeitura, as principais reclamações dos usuários ainda são relacionadas a falhas no cumprimento da tabela horária e pedidos de alterações ou adequações das tabelas.
Além da linha que liga o Belém Velho ao Campus do Vale, entre as 10 linhas com mais registros pelos canais da prefeitura, aparecem outros dois itinerários operados pelos consórcios privados e sete operados pela Carris — empresa pública de transporte que passa pelo processo de privatização.
No ranking de reclamações de 2021, eram cinco linhas dos consórcios e outras cinco da Carris.
Passageiros estão satisfeitos, aponta pesquisa da EPTC
O número de reclamações feitas oficialmente à prefeitura é pequeno — normalmente, menos de 0,5% dos usuários fazem o registro oficial. Por isso, a prefeitura também busca ativamente saber o que pensam os passageiros. Recentemente, saiu o resultado de uma pesquisa feita em novembro de 2022. E o transporte coletivo de Porto Alegre teve índice de satisfação geral de 5,9. Segundo a pasta de Mobilidade Urbana, “isso representa mais que a meta projetada para 2024 (que era uma nota de 5,7) e acima de meta prevista para o ano passado (que era de 5,3)”. A secretaria explica que o indicador é obtido por meio da “realização de pesquisa de satisfação realizada pela Capital, dentro das atividades propostas pelo grupo Benchmarking QualiÔnibus, programa que visa atrair e manter clientes no sistema, a partir da opinião de usuários”.
Redução
A nota 5,9 é a representação da distribuição das 1.370 respostas em que 58% declararam estar satisfeitos e 2,2% muito satisfeitos. A pesquisa foi realizada em novembro do ano passado com os usuários de transporte coletivo da Capital. O estudo apontou que 91,6% dos passageiros atuais já utilizavam o ônibus em 2019. Desses, 83,7% seguem usando o ônibus na mesma frequência. Dentre os clientes que reduziram o uso após a pandemia, mais da metade (56,1%) foi porque reduziram ou pararam seus deslocamentos.
— As reclamações são extremamente importantes para nos guiar nos problemas pontuais de linhas. Mas a pesquisa nos dá respostas sobre as mudanças que implementamos durante todo o ano de 2022 — explica o secretário de Mobilidade Urbana, Adão de Castro Junior.
O titular da pasta de Mobilidade refere-se, principalmente, ao programa Mais Transporte, implementado pela prefeitura no início de 2022 com objetivo de qualificar o transporte da Capital, mantendo a tarifa nos atuais
R$ 4,80. Entre as medidas, mudou-se o sistema de remuneração as empresas, com aportes do poder público entrando na conta. No ano passado, foram cerca de R$ 100 milhões repassados às empresas que operam na cidade. O número é menor do que em 2021 (R$ 108 milhões).
— Quanto mais atrativo tornarmos o sistema e mais usuários conseguirmos atrair, menos precisaremos aportar — contextualiza Adão de Castro Júnior.
Trajetos longos seguem liderando
Em 2022, estas 10 linhas do ranking transportaram 24,5 milhões de passageiros. É quase 20% do total transportado na cidade no mesmo período. E elas têm alguns pontos em comum. Além de sete das linhas serem as transversais da Carris — os famosos T —, as outras três linhas dos consórcios têm longos trajetos.
— Tanto as linhas transversais da Carris quanto a linha 286 têm uma característica de cruzar a cidade em longos trajetos. Ficam mais tempo no trânsito, passam menos por corredores, ou mesmo nos corredores encontram mais fluxo de ônibus. Tudo isso influencia na hora do passageiro reclamar — aponta o diretor-presidente da EPTC, Paulo Ramires.
Conforme o coordenador de planejamento e operação do transporte da EPTC, Diego Buss, as reclamações também têm um pouco do reflexo da pandemia. Durante os períodos mais intensos do isolamento, muitas linhas foram desativadas e passageiros migraram para outras. Agora, com a retomada do movimento, alguns usuários não sabem que as linhas que usavam voltaram a atender.
— Pode gerar sobrecarga com o público que andava antes da pandemia e quem chegou depois, usando o mesmo itinerário — pontua Buss, afirmando que a melhora vem com a readaptação.
Em relação às linhas operadas pelos consórcios privados que aparecem no ranking, a Associação dos Transportadores de Passageiros da Capital (ATP) afirmou que durante o mês passado a linha 110 teve uma média de 63 passageiros por hora e 88% de pontualidade. Já a linha 211, média de 68 passageiros por hora e mais de 90% de pontualidade. E a linha 286 teve 47 passageiros por hora em média, com pontualidade de 91%. Ainda assim, a entidade garante que o consórcio Viva Sul "continuará avaliando a necessidade de readequações".