É um final de tarde de sábado na Praia do Remanso, em Xangri-Lá, no Litoral Norte. Na Rua Leopoldo Stenzel, um grupo de pessoas começa a ir em direção a uma construção inacabada. Vigas, colunas, um telhado e paredes de concreto ainda abertas abrigam uma grande cruz de madeira ao fundo, acompanhada de uma mesa com toalha e de cadeiras de plástico brancas. No muro da frente, uma placa informa em letras grandes "aqui missa".
Não há porta, mas duas mulheres recebem o público com sorrisos e distribuem folhetos. Crianças caminham de um lado para outro tomando seus assentos. O músico começa a tocar acordes no violão para começar uma canção litúrgica, enquanto os últimos frequentadores se acomodam nas paredes baixas da construção e também do lado de fora.
O sonho da pequena comunidade de ter uma igreja católica na região vai tomando forma, mas ainda é preciso remover muitas pedras do caminho. Com uma campanha de doações que começou antes da pandemia, cerca de 30 famílias conseguiram recursos para erguer a estrutura básica e decidiram realizar as celebrações no meio da obra durante todos os sábados da época de veraneio, às 18h.
— A igreja já está abençoada pelo fato de celebrarmos dentro e ser já um ambiente de culto, mas ela está muito em condição inicial, é somente para proteger da chuva — observa o bispo da diocese de Osório, dom Jaime Pedro Kohl.
O religioso foi quem deu a bênção da pedra fundamental da construção, em 2019, e neste verão conduz as missas.
— O fato de a comunidade se mobilizar para adquirir o seu espaço é oportuno e bom, porque se desse tudo prontinho, não valorizariam. Se a comunidade vai construindo, com pequenos recursos, vai devagarinho também somando gente para fazer parte. Então as duas coisas se completam — afirma.
O engajamento dos moradores e veranistas para manter a fé acesa, mesmo no período de férias, não é de agora. Em 2013, a comunidade já se reunia nas casas para fazer as celebrações. No entanto, com a chegada do verão, as residências passavam a não comportar mais o número de fiéis, fazendo com que as missas fossem transferidas para a beira da praia.
— Chegamos a reunir 400 pessoas na orla da praia, mas durante o inverno não tínhamos mais onde celebrar — conta a empresária Raquel Proença, 35 anos, uma das idealizadoras da campanha.
Com a contribuição dos participantes, em grande parte veranistas que se sentem parte da comunidade, os organizadores conseguiram comprar o terreno de um dos membros e começaram obra, orçada previamente em R$ 450 mil. Para fazer a estrutura atual, a organização adquiriu uma dívida de mais de R$ 100 mil que ainda precisa ser quitada.
— A gente tinha cem doadores mensais que davam R$ 100, o que era um pouquinho para cada um. Quando a gente decidiu parar de fazer as etapas e pagar a dívida, os doadores não viam mais as coisas acontecendo e foram diminuindo as contribuições — explica Raquel, que também inclui a pandemia como outro fator para a redução de apoio.
Pensado para receber 120 pessoas, o projeto original contava com uma série de vitrais para embelezar as paredes. O custo, porém, tornou a ideia inviável e exigiu uma reformulação. Agora, o plano é conseguir colocar vidros comuns e deixar os vitrais apenas para detalhes. Segundo Raquel, esse é o próximo passo para garantir uma proteção contra o vento e permitir as celebrações durante o inverno. A lista de pendências ainda inclui o piso, mobiliário, rede elétrica e hidráulica, acabamentos, jardim e acessibilidade.
— Somos muito acolhedores, então meu desejo é que possamos entregar algo digno para o povo do Remanso e não precisemos mais ficar pedindo casas. É o meu sonho! — exclama Raquel, entre lágrimas.
Devoção a Santo Antônio
Pertencente à diocese de Osório, que tem 23 paróquias, a comunidade do Remanso faz parte da Paróquia São Pedro, de Xangri-Lá. O grupo escolheu como padroeiro Santo Antônio, um dos mais populares do catolicismo pela fama de casamenteiro, mas também reconhecido por sua vida simples, obras de caridade, amor pelos pobres e por sua intercessão em milagres.
Moradora do local há 32 anos, a aposentada Irma Silva de Souza, 75 anos, conta que teve graças atendidas por intermédio do santo. Há mais de 15 anos, seu filho sofreu um acidente de motocicleta em Porto Alegre e ficou em coma no Hospital de Pronto Socorro (HPS).
— No dia em que cheguei lá, eu não consegui entrar na UTI para ver ele, porque as minhas pernas fracassaram. Eu saí, fui para aquela Igreja do Espírito Santo que tem atrás do HPS, e lá encontrei um livro de Santo Antônio em cima do banco. E aquele livro me chamou atenção. Eu peguei, levei para casa e comecei a pedir essa graça: que o meu filho saísse daquela UTI e voltasse a viver para criar o filho dele, que tinha um aninho — lembra Irma.
A corrente de oração ganhou adesão das vizinhas, que rezaram por 53 terças-feiras (dia dedicado ao santo), até que a prece fosse ouvida. Como agradecimento, a aposentada desejava que um dia uma capela fosse erguida na região com a imagem de Santo Antônio, para que mais pessoas pudessem conhecer seu nome.
Cumprindo a combinação, uma pequena estátua do padroeiro já foi colocada dentro da construção, logo na entrada, para receber os fiéis. E, com o aval dos outros membros, Santo Antônio passou a dar nome à comunidade.
O padroeiro ainda voltou a ajudar Irma em outra tribulação de saúde anos depois da primeira graça. Usuária de marca-passo, a moradora diz ter tido uma suspeita de infarto e começou a rezar o responsório de Santo Antônio em silêncio enquanto era encaminhada para atendimento na Capital.
— Eu cheguei no Instituto de Cardiologia, fizeram todos os exames e disseram que eu nunca tive nem começo de infarto, nem nada. E o exame do centro clínico estava na minha mão, dizendo que eu estava enfartando. O médico disse que não tinha explicação — conta.
Irma tem certeza que foram suas repetidas preces no trajeto de carro que reverteram a situação, o que reforçou ainda mais sua confiança no padroeiro.
— Quando eu tenho uma coisa muito forte, eu recorro a Santo Antônio e nunca fui decepcionada. A gente espera que tenhamos um dia essa capela pronta para poder louvar Santo Antônio tanto quanto ele merece — projeta a fiel, que mantém a tradição de acender uma vela a seu amigo do céu todas as terças-feiras.
Quem quiser apoiar a campanha, pode entrar em contato pelo telefone (51) 99670-9558.