O som de uma bocha batendo contra a outra logo é abafado por risadas ou reclamações — neste caso, do time que teve a sua tirada de perto do bolim (a bola pequena que determina quem marca ponto). Entre muitas brincadeiras, conversas e discussões por pontos e jogadas, o clima de amizade predomina na cancha de bocha Dr. Darci Ribeiro Pinto, localizada no centro de Tramandaí, no Litoral Norte. É lá que, todas as tardes, de segunda a sexta-feira, um grupo de idosos se reúne para a prática do tradicional esporte de origem italiana.
Natural de Rio do Sul, em Santa Catarina, o aposentado Vitorino Pedroso, 78 anos, se mudou de Novo Hamburgo para Tramandaí com a esposa há mais de duas décadas. Desde então, passou a jogar bocha na cancha que já existia antes mesmo de sua chegada ao litoral gaúcho.
— Estava passando por aqui com a minha mulher e um senhor me perguntou se eu jogava bocha. Daí eu vim e, a partir daquilo, estou aqui até hoje. Não tinha como não me dar bem com pessoas que brincavam comigo sem nem me conhecer, daí simpatizei com eles (os frequentadores da época) — relembra o catarinense, que jogava bocha quando era criança e, hoje, é presidente do local.
De acordo com Vitorino, os encontros na cancha ocorrem a partir das 14h30min. No inverno, o grupo costuma jogar até as 17h — horário que é estendido nos meses de verão, quando o número de frequentadores aumenta. Nesta época do ano, cerca de 12 idosos se reúnem diariamente no local, que conta inclusive com uma arquibancada para quem quiser acompanhar as partidas.
A movimentação na cancha começou a aumentar perto das 15h na última quinta-feira (5). Em alguns minutos, dois times de quatro jogadores já estavam formados para iniciar uma partida. O presidente conta que o grupo se conhece há muitos anos e que todos os frequentadores são amigos:
— Esse tempo todo que estou aqui, não tenho inimizade com ninguém. É interessante. Lógico que se eu disser que não dá nenhuma discussãozinha, vou estar mentindo, isso é no jogo de carta, sinuca, qualquer espécie de jogo tem a discórdia. Claro que acontece, mas tudo dentro do padrão, ninguém se ofende. Discorda, mas não fica ofendido.
Os aposentados não sabem afirmar com exatidão a data em que a cancha foi inaugurada, mas Azor Tesser, 89 anos, esclarece que a tradição das partidas de bocha começou no pátio de uma residência, em outra rua de Tramandaí. Um dos jogadores mais antigos, o capitão reformado conta que um amigo, já falecido, conseguiu autorização com a prefeitura para construir o espaço no canteiro da Rua Dr. Darci Ribeiro Pinto.
— Foi feito no chão. Depois, com outras pessoas, foi feita a cobertura, banheiro e melhorou. Não perdemos a tradição, é um prazer, uma alegria pelo movimento e entretimento — relata Azor, que mora em Porto Alegre, mas costuma passar os meses de verão no Litoral Norte.
A manutenção da cancha é por conta dos associados, que pagam uma taxa anual de R$ 200 para arcar com despesas como luz, água e pequenas reformas do espaço. Segundo Vitorino, atualmente a cancha tem cerca de 30 associados — a pandemia diminuiu o número, afirma, já que alguns morreram em decorrência do coronavírus. A compra das bochas e outros itens também é de responsabilidade do grupo, mas esses itens costumam durar muitos anos.
— Nesse tempo que eu estou aqui, o único que quebrou uma bocha fui eu, sem querer. Dei um tiro, quebrei e entrei para a história como o único que quebrou uma bocha — diverte-se o presidente.
Benefícios para a saúde física e mental
Vitorino garante que a bocha é um esporte tranquilo de praticar e que a atividade melhora sua saúde, por isso, é sagrada em sua rotina. Ele afirma que, enquanto puder, vai continuar rolando bochas pela cancha:
— É uma coisa que tu exercita o corpo inteiro para jogar, para agachar. Quem atira, faz força também. É muito interessante e, para quem é idoso, é muito bom. A gente se movimenta, não quer dizer que vamos durar para sempre, mas o exercício ajuda muito o físico da pessoa e a cabeça também. Quando tu está aqui, tu se distrai, conversa com um e com outro, esquece as preocupações, se diverte.
— É um esporte de origem italiana que é justamente para se mexer. Eu aprendi desde pequeno e a gente gosta, porque é movimento. Eu gosto de ler também, mas para ler tem que ficar sentadinho, aqui é exercício — acrescenta Azor.
O chefe do serviço de geriatria da Santa Casa de Misericórdia e professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Virgilio Olsen, afirma que a prática da atividade física traz muitos benefícios para a saúde dos idosos, como o aumento da capacidade cardiovascular, cardiopulmonar, aeróbica e da força muscular. Também destaca que a bocha, especialmente, tem outro aspecto importante, já que é um esporte feito em grupo.
— Quando a gente fala de envelhecimento bem-sucedido, um dos pilares é a saúde e, para manter a saúde, a atividade física é extremamente importante. Mas existem outros pilares, de aprendizagem ao longo da vida, de segurança e de interação social. E a bocha tem um poder incrível de manter esses idosos engajados na sociedade, convivendo com amigos, tendo opiniões e compartilhando de opiniões e conversas — ressalta.
Conforme o especialista, a rotina de movimento e o fortalecimento da musculatura e das articulações também ajudam no controle da dor causada por doenças que são mais comuns no envelhecimento, como a artrose. No entanto, aponta que o ideal é que os idosos continuem fazendo exercícios durante todo o ano, não apenas na época de veraneio. Olsen também indica a necessidade de fazer alongamentos antes e depois da prática do esporte.
Além disso, é preciso ficar atento aos sinais de alerta:
— Se tem alguma dor que esteja incapacitando a atividade, dor no peito, falta de ar ou um cansaço além do usual, merece uma avaliação médica. Mas, fora isso, é ótimo que eles façam esse exercício, que sigam fazendo e que levem cada vez mais amigos para compartilhar desses momentos.