Os desafios para a expansão da malha cicloviária e a experiência de outras cidades com a implantação de vias exclusivas para ciclistas foram os principais pontos abordados durante o Seminário Mobilidade + Ativa: Caminhos para Bikes em Porto Alegre, na manhã desta quinta-feira (3). Promovido pela prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (SMMU), o evento era aberto ao público geral e reuniu também representantes de outros municípios gaúchos e brasileiros, das 8h30min às 17h, no campus da Unisinos, na Capital.
Para o secretário de Mobilidade Urbana da Capital, Adão de Castro Junior, o ponto que mais se destacou durante o seminário foi a necessidade de realizar pesquisas e obter dados para a tomada de decisões. Essas informações, afirma, são importantes para ter segurança na escolha de tipologia e no diálogo com as comunidades.
— Precisamos ampliar a coleta de dados, ter mais pesquisas e elementos sobre uso, quantidade, origem, destino. Vamos lançar uma entrevista domiciliar que vai trazer bastante elementos a respeito disso, mas ainda precisamos focar também na contagem volumétrica na rede cicloviária, como São Paulo tem as contagens automatizadas — diz.
A abertura do seminário contou com a presença do prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo. Em sua avaliação, a expansão da malha cicloviária precisa avançar de forma integrada com a mobilidade urbana, atendendo aos anseios da população. A expectativa com o evento era, principalmente, colher experiências que deram certo no Brasil e pelo mundo e que “souberam fazer o casamento dos interesses dos cidadãos e dos meios de transporte envolvidos”.
O secretário de Mobilidade Urbana da Capital, Adão de Castro Junior, ressaltou que a pasta iniciou um diálogo com a sociedade sobre o futuro do uso da bicicleta como um meio de transporte, verificando o que está bom, o que não está e o que precisa melhorar. Somente neste ano, foram realizadas oito reuniões com vereadores, conselhos municipais, ciclistas, comércio, shopping centers, instituições de ensino, hospitais e órgãos de saúde.
— Ouvimos os segmentos e, neste período, fizemos um trabalho de mapeamento de rede e fomos encontrando os pontos de desconexão da malha cicloviária. Isso é um consenso entre todas as pessoas: temos um pedaço feito em um bairro, que não conecta com outro, e assim sucessivamente — afirma Castro, destacando que esse é um dos problemas comuns entre as cidades brasileiras, algo que foi possível perceber com a troca de experiências.
De acordo com o secretário, a ideia da pasta é trazer a bicicleta como um meio de transporte complementar, que as pessoas possam utilizar até chegar aos terminais de ônibus, por exemplo, para ir até o trabalho ou a escola:
— Queremos que seja um modelo de uso diário das pessoas, e a bicicleta compartilhada trouxe esse elemento com bastante força. Temos percebido já nas pesquisas a que temos acesso que o uso da bicicleta como meio de transporte para o trabalho é uma realidade em Porto Alegre há bastante tempo. Mas temos que acertar o passo dessa questão, ouvir o que a sociedade quer para o futuro do uso da bicicleta, tentar encontrar um ponto de equilíbrio (entre todos os usuários das vias) e a melhor receita para a cidade.
Entre os desafios da Capital, Castro cita a embate entre os ciclistas que querem mais espaço e os motoristas que julgam que as bicicletas não o utilizam da forma correta. Também aponta a questão cultural do uso das bikes no dia a dia, o comportamento seguro entre pedestres, ciclistas e motoristas e o aumento da necessidade de manutenção conforme se amplia esses espaços — atualmente, a cidade tem mais de 77 quilômetros de malha cicloviária.
Exemplos de outras cidades
A realidade de São Paulo foi a primeira apresentada no evento. Conforme Adail Zerio Junior, gestor de trânsito da Companhia de Engenharia de Tráfego, a implantação de planos cicloviários entrou na pauta da cidade a partir de 2011 e passou por muitas dificuldades no começo. O município apostou na conversa com a sociedade civil, por meio de audiências públicas, para permitir que as ciclovias fossem implantadas.
— Temos quase 700 quilômetros implantados, estamos tentando expandir a rede, mas quanto mais você expande, mais problemas surgem. Estamos tentando conciliar o espaço com todos os modais envolvidos e, para isso, procuramos executar obras físicas, que reduzem o espaço veicular ou ampliam o espaço de passeio ou canteiro. Isso, preferencialmente, sem perder o número de faixas, que é uma preocupação também — relatou.
Em seguida, o arquiteto e urbanista Michel Mittmann, que é secretário de Planejamento e Mobilidade Urbana de Florianópolis, falou sobre a situação na capital catarinense. Ele apontou que, há cinco anos, as estruturas cicloviárias eram dispersas e não chegavam até as áreas centrais, onde os cidadãos mais precisavam, para ir até o trabalho. Por isso, foi realizado um projeto inicial de conexão norte-sul, passando pelo coração da cidade, em uma via bastante movimentada.
Entre os problemas, citou a pressão comunitária e a discussão com comerciantes. Como exemplo, falou sobre a ciclovia na Lagoa da Conceição, que está em fase final, onde foram retiradas várias vagas de estacionamento:
— Os comerciantes daquela região acreditavam que aquelas vagas salvariam o negócio deles, mas já estavam muito enfraquecidos. Então, trabalhamos com pesquisas e descobrimos que, de 100% das vagas, apenas 10% eram utilizadas por pessoas que consumiam nesses comércios, enquanto 30% eram utilizadas pelos próprios funcionários de bares e restaurantes e 60% eram ocupadas por pessoas avulsas, que nem frequentavam aqueles pontos comerciais. Assim, fomos negociando espaços um a um.
Além de conectar bairros com malhas para o uso cotidiano e criar infraestruturas que levam ao coração da cidade, com negociação de espaços, realocação de vagas e compactação de pistas, Florianópolis apostou na ciclorrota, criando sinalização bem evidente em vermelho para que veículos e bicicletas dividam o espaço.
Questionado se a retirada de vagas de estacionamento seria uma opção para a ampliação em Porto Alegre, Castro destacou que essa é uma solução que às vezes precisa ser adotada, mas que não é a melhor, pois gera muitos conflitos:
— Tirar estacionamento em qualquer situação sempre é conflitante. Então, tentamos evitar isso nos nossos projetos, mas não é uma regra geral. Quando não tem outra solução, aí sim, se tira estacionamento.
Já em Recife, uma pesquisa realizada em 2018 mostrou que 85% das pessoas circulavam pela cidade a pé, de bicicleta ou de ônibus, por isso, a prefeitura investiu em uma inversão de prioridades, já que a região era voltada para o carro, que não era utilizado pela maioria, segundo Antônio Henrique Cavalcanti de Oliveira, gerente de Projetos Cicloviários na Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano (CTTU). Assim, nasceu o Programa de Mobilidade Humana, com políticas voltadas para a maior necessidade do município.
Até agora, Recife tem 173 quilômetros de malha cicloviária, com grande impulso a partir de 2014, sendo 97% dela conectada. A meta é que até 2024 a cidade tenha 250 quilômetros de ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas.
Em Porto Alegre, há uma proposta de expansão da malha, focada nas conexões. Conforme Carla Meincke, diretora de Mobilidade Urbana da Capital, essa expansão segue a prioridade estratégica da prefeitura e ocorre na esteira do aluguel de bicicletas compartilhadas. Entre as regiões que devem receber essas melhorias estão Orla, Centro Histórico, 4º Distrito, Leste e Norte, que impactam em mudança para uma mobilidade mais ativa, diz Carla.