O sábado de céu limpo e de muito calor está ajudando a garantir sucesso aos Jogos Culturais Indígenas, que reúnem em Porto Alegre integrantes de 15 comunidades de quatro etnias diferentes. O dia é marcado po churrascadas, futebol e disputas de arco e flecha, lança ao alvo e luta livre. A iniciativa, anual, acontece desde 2006 e só foi interrompida durante o auge da pandemia, em 2020 e 2021. Apelidadas de "olimpíadas" pelos participantes, as atividades acontecem na aldeia caingangue Fág Nhin, na parada 25 da Estrada João de Oliveira Remião, no bairro Lomba do Pinheiro, zona leste da Capital.
Os caingangues são a tribo mais numerosa no Rio Grande do Sul e também nos jogos, mas as disputas envolvem também integrantes de três outras etnias: guaranis (o segundo grupo mais numeroso), charruas (bastante raros) e warao (indígenas venezuelanos que migraram para Porto Alegre).
Mais de 400 pessoas participam das miniolimpíadas, que duram do amanhecer à altas horas da noite. A aldeia Fág Nhin fica numa área bastante arborizada. A festa começou às 8h30min e as churrasqueiras já estavam fumegando. Os indígenas têm o costume de deixar o braseiro aceso o dia inteiro, aberto numa vala (à moda gaúcha), e vão colocando os espetos. Muito gado e frango no cardápio, para alegria dos curumins (crianças) e dos guaipecas (cachorros).
Enquanto o braseiro ardia sob controle dos mais velhos, os jovens faziam fila para a pintura. A maior parte se tinge de vermelho, com tinta elaborada artesanalmente a partir de urucum. Cocares foram feitos a partir de penas de urubu, gavião e galinha.
— É uma herança do nosso passado guerreiro. Simulamos brigas, dança da chuva e outras manifestações típicas. Fortalece o espírito coletivo e promove saúde física e mental — ensina Moisés da Silva, vice-cacique da comunidade caingangue que organiza os jogos.
A criançada leva a sério. Passam o tempo todo batendo com suas lanças de guajuvira no chão, entoando cantos. Uma das provas mais populares é o arco e flecha, com alvos situados a 30 metros do competidor. As gurias também disputam, inclusive no futebol.
Os vencedores dos jogos recebem troféus. A organização contou com colaboração das secretarias municipais de Desenvolvimento Social, Saúde e Esporte, Lazer e Juventude e da Fundação Panamericana para o Desenvolvimento Humano.
Os idosos sorriem muito, só assistindo as disputas. Alguns são oriundos de mais de uma etnia. É o caso de Letain, 70 anos, que tem mãe caingangue e pai guarani. Ele é oriundo da Terra Indígena da Guarita, em Tenente Portela, próximo à fronteira com a Argentina, onde as duas etnias convivem bem. Veio para Porto Alegre há 18 anos, após uma disputa interna pelo controle da área.
O grupo dele perdeu e tiveram de se mudar para Porto Alegre. Um fenômeno comum nas tribos do Rio Grande do Sul. Na Lomba do Pinheiro não conseguem mais caçar e plantar, como ocorria na fronteira, mas plantam hortaliça. A maioria vive da venda de artesanato nas ruas da capital gaúcha.