Espaços lotados de computadores onde era possível passar horas jogando online, conversar em diferentes chats ou ainda aproveitar para atualizar as redes sociais e a caixa de e-mails. Essa era a realidade de muitas lan houses que recebiam uma multidão de clientes em todo o país na década passada. Agora, quem precisa do serviço tem que pesquisar para encontrar alguma ainda operando.
Um levantamento divulgado em 2010 pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI .br) apontava que existiam mais de 20 mil estabelecimentos legalizados no país. No entanto, a estimativa, na época, era de que esse número poderia chegar a 100 mil, por conta dos inúmeros espaços não registrados.
Doze anos depois, em uma busca por Porto Alegre, é possível encontrar pouco mais de 15 estabelecimentos legalizados que seguem oferecendo o serviço, mas em uma realidade diferente daquela de anos anteriores.
Um deles fica no bairro Camaquã, na zona sul da Capital. Com mais de 13 anos de funcionamento, a Scorpion's Lan House passou por mais de uma transformação para se manter no mercado. Ainda em 2009, mais de 50% da operação era focada no público jovem, que ocupava por horas os dois pisos da loja em jogos online.
Quatro anos depois, o proprietário da loja, Ângelo Gabriel do Santos, 43 anos, percebeu a necessidade de mudança. Ele decidiu encerrar a oferta de jogos online e destinar os computadores para os clientes que buscassem serviços gerais, como uso de e-mail, emissão de documentos e acesso a redes sociais na internet.
Ao mesmo tempo, Santos foi acrescentando outros serviços à loja, como a realização de manutenção de equipamentos de informática, impressão de documentos, digitação e venda de acessórios para computadores e celulares.
A pandemia acelerou o processo de redução do espaço para a lan house
ÂNGELO GABRIEL DO SANTOS
Proprietário da Scorpion's Lan House
— Tivemos que oferecer várias coisas para podermos sobreviver. Não tem como ter um negócio só. Só lan house, nem pensar, só acessório ou capinha de celular, também não vejo como — revelou.
Com a chegada da pandemia, a Scorpion’s enfrentou uma nova transformação. Dos 16 computadores que ocupavam uma parte da loja, apenas cinco seguem funcionando. O estabelecimento passou também por mudança na distribuição das bancadas para garantir mais espaço para o serviço de manutenção.
Se antes a decisão de deixar de lado os jogos foi por opção, agora a alteração foi motivada pelos custos de manutenção da loja.
— A pandemia acelerou o processo de redução do espaço para a lan house. Antes da pandemia, os computadores ocupavam toda a extensão da parede. As máquinas não eram ocupadas todos os dias, mas tinha grande movimento, chegava a ter fila — afirmou Santos.
Com a retomada das atividades, o proprietário observou também uma mudança no comportamento dos clientes. Antes da pandemia, os clientes pediam o computador para fazer suas atividades. Agora, o processo está mais otimizado. O público entra em contato com a loja, envia o material que precisa imprimir e os funcionários já adiantam o trabalho ou auxiliam no que o cliente não sabe como proceder.
— Foi preciso uma adaptação nossa e dos clientes com o novo momento. As pessoas chegam ainda só com o cartão na mão, sem saber o que fazer para pagar uma fatura, por exemplo. Já ajudamos clientes para fazer de agendamento do passaporte até o cadastramento em programas do governo e do INSS. Nós brincamos aqui que somos um "mini-Tudo Fácil" — contou Ângelo Gabriel.
O resultado dos novos tempos já é observado nos lucros do estabelecimento. Antes da pandemia, o aluguel das máquinas – que se mantém em R$ 5 a hora – dava um retorno de cerca de R$ 3 mil mensais. Agora, os cinco equipamentos que permanecem garantem a Santos um lucro médio que não passa de R$ 500.
— A lan house não tem lucro nenhum, não representa 5% do faturamento da loja. É um serviço que praticamente acabou. Seguimos oferecendo porque está aqui, mas, se dependêssemos da lan house apenas, já teríamos fechado há bastante tempo — avaliou o proprietário da Scorpion’s.
Mudança por necessidade
Em outro ponto da cidade, no bairro São Geraldo, o sentimento é semelhante na Cyber Dim Serviços Gráficos e Lan House. A loja, que funciona na zona norte de Porto Alegre desde 2010, tem a lan house como um complemento dos demais serviços presentes.
Hoje, o carro-chefe da empresa está na gráfica, que oferece os mais variados produtos, como canecas e copos personalizados e até panfletos, cardápios e imãs de geladeira, e na impressão de documentos e trabalhos escolares.
O proprietário da loja, Carlos Henrique Machado Moreira, 29, conta que a decisão de ter uma lan house surgiu ainda na adolescência, quando ia com frequência jogar com os amigos. No entanto, a partir de 2012, ele percebeu a mudança que ocorria no mercado e, por uma questão financeira, decidiu apostar na gráfica e na impressão como forma de manter o funcionamento da empresa.
— Quando vi que começou a enfraquecer o público, fui migrando para a parte gráfica. Hoje em dia, todo mundo joga online no celular mesmo ou tem computador em casa para isso. Não teria como manter a oferta dos jogos — avaliou.
Quando vi que começou a enfraquecer o público, fui migrando para a parte gráfica. Hoje em dia, todo mundo joga online no celular mesmo ou tem computador em casa para isso
CARLOS HENRIQUE MACHADO MOREIRA
Proprietário da Cyber Dim Serviços Gráficos e Lan House
Com a chegada da pandemia, a Cyber Dim precisou reduzir os computadores que ainda estão disponíveis para acesso rápido e impressão – eram 10 disponíveis e, hoje, são seis –, para que pudesse haver um espaçamento entre os clientes. O aluguel por hora está mantido, mas, atualmente, poucas pessoas procuram o serviço para lazer. Enquanto GZH visitava o local, uma cliente utilizava um dos computadores para trabalho.
— Eu venho aqui quase todos os dias. Acontece com frequência de receber pedidos dos clientes quando já saí de casa e não tem como voltar. Nem tudo dá para resolver com o celular. O que o cliente precisa, muitas vezes, tem que imprimir ou passar para PDF e depois mandar — revelou Rose Mery Luiz Lemos Santos, 53, que trabalha como despachante.
Os jogos ainda resistem
No bairro Jardim Lindoia ainda é possível encontrar um modelo de lan house como se conhecia na primeira década dos anos 2000. A Lan House Net Set conta atualmente com seis computadores, onde jogadores ainda podem passar a madrugada enfrentando vários rounds de League of Legends ou Valorant, nos chamados "corujões".
Conforme o proprietário da loja, Antoninho Lírio Mezzomo, 66, o sentimento dos clientes que atualmente alugam as máquinas para jogar é de nostalgia.
— Eles lembram muito dos tempos de adolescente quando estão aqui e, hoje, já são homens casados, com família. Então, o corujão é uma forma de lembrar com saudades dos tempos de infância. O encontro na lan house virou um momento de rever os amigos — revelou.
O público que busca a Net Set para participar dos corujões está na casa dos 18 aos 30 anos. Ectanael da Silva Rodrigues, 29, é um dos frequentadores da lan house que seguem participando dos corujões. Trabalhando como garçom, ele aproveita o dia de folga para jogar com os amigos.
— Há mais de 15 anos que eu vou direto na Net Set. Hoje, nos encontramos uma vez por semana, eu e mais cinco amigos. Antigamente, éramos um grupo maior, com cerca de 30 pessoas — revelou.
Os eventos são cada vez mais raros, e costumam ocorrer no fim de semana e nas quartas-feiras. Uma realidade diferente de quando a loja foi aberta, em 2003.
No auge, a lan house chegou a ter 43 computadores disponíveis para o público. Até uma sala especial foi criada, com paredes mais grossas, para que as pessoas que precisassem de silêncio pudessem se concentrar enquanto a bagunça rolava nos jogos online.
Porém, a partir de 2013, o número de clientes foi diminuindo e se tornou necessário paralisar os investimentos. Nos anos seguintes, o quadro acabou piorando.
— As pessoas passaram a ter uma internet boa em casa, o celular com internet foi ficando mais presente na vida de todos. Quando todo mundo começou a fechar as lan houses, nós fomos ficando, pois não era a principal fonte de renda, era mais um hobby. E ainda hoje é assim — argumentou o proprietário.
Com a chegada da pandemia, o faturamento do estabelecimento diminuiu drasticamente e já não era mais possível permanecer no mesmo local. A Net Set mudou de endereço e diminuiu o número de computadores disponíveis. Além disso, outros serviços foram incluídos, como trabalhos gráficos e posto de coleta e retirada de uma rede de comércio eletrônico. São eles que respondem pelo faturamento da loja.