Ser atendido por servidores municipais é uma cena cada vez mais rara em postos de saúde de Porto Alegre. Isso porque a prefeitura iniciou uma nova fase de parceirizações, nome dado à concessão dos locais para administração de organizações civis.
Atualmente, são 99 unidades de saúde contratualizadas, mas o número vai subir para 114, segundo a Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Isso representa 86,3% das unidades de saúde da Capital, que tem 132 locais deste tipo. Com a nova leva de contratos, somente 18 unidades de saúde em toda Porto Alegre ainda seguirão administradas pela prefeitura.
A mudança nos 14 locais anunciados já está em curso, com a transição das equipes sendo executada. Estes espaços serão agora administrados por profissionais da Santa Casa de Misericórdia e dos hospitais Divina Providência e Vila Nova. São estas mesmas três entidades que se distribuem na administração dos outros espaços contratualizados no território de Porto Alegre.
Mas por que isso não seria uma terceirização dos postos de saúde?
Desde 2020, quando começou o processo na saúde pública, o município defende que é um caminho diferente, baseado em outra lei federal. Trata-se da Lei de Parcerias, sancionada em 2014. Esta legislação estabelece as regras para “parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação”. A prefeitura garante que “essas parcerias têm garantido um maior número de equipes completas com médico, enfermeiro e técnico de enfermagem, mais atendimentos e uma infraestrutura mais qualificada aos usuários”.
Mudança gera dúvidas
Entretanto, como todo processo de mudanças, as parcerias entre prefeitura e organizações levantam questionamentos dos próprios profissionais alocados nos espaços, assim como da comunidade onde o local está inserido.
Integrante do Conselho Municipal de Saúde na Zona Norte, Roselaine Pádua se diz contrária às mudanças:
– É uma tristeza isso, parece que futuramente não teremos mais a saúde pública, tudo sendo terceirizado. E não vejo com bons olhos a troca de equipes nos postos em meio à pandemia.
Outro ponto citado por ela é a situação de funcionários que normalmente são terceirizados nestes locais, como os responsáveis por segurança e limpeza. Segundo a conselheira, estes trabalhadores estariam manifestando sua insatisfação quanto à incerteza do emprego com as transições na gestão dos postos de saúde, saindo a prefeitura e chegando alguma das organizações parceiras.
– São pessoas que dependem desse trabalho, muitas moram perto dos postos. E, agora, podem ser afetadas por uma transferência indesejada – explica Roselaine.
Profissionais serão ouvidos, diz SMS
Por meio de nota, a pasta municipal da Saúde garantiu que “os servidores municipários e municipalizados lotados nesses serviços serão remanejados para outros locais, nos quais trabalharão junto a outros profissionais estatutários em equipes com dimensionamento adequado para a população atendida”.
A secretaria também informou que “os servidores poderão se manifestar para quais locais gostariam de ser remanejados”.
Em relação ao profissionais que atuam em áreas terceirizadas, como segurança e limpeza, a SMS explica que eles não serão afetados. “A contratualização vale apenas para os profissionais da área assistencial (auxiliares administrativos, de enfermagem, de farmácia e de gabinete odontológico, cirurgiões dentistas, enfermeiros, farmacêuticos, técnicos de enfermagem etc.). Para os terceirizados, não haverá mudanças.”
“É preciso evitar rotatividade”, opina especialista
Para Solange Shama, professora de saúde coletiva e epidemiologia da Universidade Feevale, o ponto mais preocupante da contratualização de unidades de saúde é a troca constante de profissionais numa área que precisa ter vínculos com as comunidades onde está inserida. Solange também coordenou a vigilância em saúde de Novo Hamburgo por 20 anos, até se se aposentar.
Ela conta que vivenciou o mesmo processo na máquina pública da cidade, quando atuava.
– Os profissionais que assumem vagas nos postos gerenciados por organizações civis costumam ter alta rotatividade, por eles mesmo pedirem desligamento ou troca. Esse é um ponto preocupante, pois a atenção primária precisa fortalecer a promoção e prevenção da saúde. E isso exige uma relação de confiança entre profissionais e pacientes, que leva tempo para ser construída – diz Solange.
A especialista pontua que, se houver preocupação do poder público e também das entidades que assumem a gestão dos locais em evitar a rotatividade de profissionais, a mudança pode ser menos tortuosa. O lado positivo citado pela professora é o da burocracia reduzida. Como as entidades que assumem a gestão não são o poder público em si, as mudanças de equipe, insumos, equipamentos e infraestrutura têm seus percalços resolvidos de maneira mais ágil:
– Quem atua com poder público sabe como a burocracia torna demorada atos simples, como a aquisição de equipamentos. Esses gestores privados conseguem fazer isso mais rapidamente.
Novas unidades contratualizadas
- Bom Jesus
- Ceres
- Chácara da Fumaça
- Laranjeiras
- Panorama
- Passo das Pedras I
- Sarandi
- Vila Elizabeth
- Jenor Jarros
- Santa Marta
- Aparício Borges
- Vila Cruzeiro
- Ipanema
- Restinga
- Pitinga
- Farmácia Distrital Restinga
- Farmácia Distrital Vila dos Comerciários
- Farmácia Distrital Navegantes