Uma pequena sala localizada nos fundos do centro de regulação estadual, na zona leste de Porto Alegre, tem servido como base de auxílio para atender crianças em mais de 100 hospitais gaúchos.
Desde a última quinta-feira (22) uma equipe de seis intensivistas se revezam para atender por telemedicina pacientes de locais que não possuem leitos de UTI pediátricos. A iniciativa da Secretaria Estadual da Saúde (SES) busca qualificar os atendimentos em locais que não possuem esses serviços. O objetivo é desafogar a demanda nos hospitais de maior estrutura durante o período do inverno, quando o número de internações aumenta, principalmente em razão de doenças respiratórias que se intensificam com temperaturas mais baixas. A ideia inicial era implementar o projeto na segunda-feira (20), mas com questões contratuais e necessidade de novos testes atrasou o processo.
Os profissionais foram contratados por uma empresa que já prestava serviços na Secretaria de Saúde da prefeitura de Porto Alegre. A operação é feita em regime de plantão e dura 12 horas, sendo um intensivista por turno.
Uma das médicas contratadas para o atendimento, Ciana Santos Indicatti, possui seis anos de experiência como pediatra, sendo quatro como intensivista. Ela já atuou na linha de frente atendendo crianças no Hospital Geral de Caxias do Sul, na serra gaúcha, e no Hospital de Pronto Socorro de Canoas, na região metropolitana.
Agora, ela vive uma experiência totalmente diferente, auxiliando colegas longe do ambiente hospitalar.
— Às vezes dá vontade de entrar na tela e ajudar a atender. Estamos acostumados a colocar a mão no paciente. Mas tem sido uma experiência bem inusitada. É diferente quando se vê de fora, e às vezes pode até ajudar ficar longe do clima de tensão — explica Ciana.
Antes do contato ser feito, os intensivistas já recebem todas as orientações através do Sistema de Gerenciamento de Internações (Gerint). Ele é formado por um grupo de reguladores que são acionados quando um paciente precisa ser transferido de um hospital para outro. Esses servidores são responsáveis por avaliar quando que o teleatendimento é necessário.
Quando a chamada começa, os intensivistas visualizam o paciente e orientam a equipe que está no local sobre quais procedimentos devem ser feitos. Na sequência, encaminham ao setor de regulação se a criança deve ser transferida para uma UTI de outro hospital ou se pode permanecer na sala de emergência. A decisão final é dos reguladores.
No entanto, em alguns casos, não têm sido possível realizar os atendimentos por vídeo. Isso porque, dos 50 hospitais inicialmente contemplados, alguns ainda passam por testes de conexão ou aguardam o recebimento dos equipamentos. Nesses casos, o auxílio é feito por ligação telefônica, através do mesmo sistema, entrando em contato com o celular dos profissionais que estão atendendo.
— É difícil mas não impossível (auxiliar por telefonema). Nós médicos estamos acostumados em descrever casos para pacientes e colegas. Temos que usar essa habilidade para poder ajudar — conta Ciana.
A tendência é que o atendimento apenas por áudio seja mais frequente do que as videochamadas. Isso porque o sistema foi expandido para todas as instituições gaúchas que não possuem estrutura para atender crianças com casos graves. Segundo o diretor de regulação estadual Eduardo Elsade, a decisão de incluir outros hospitais ocorreu pois a demanda de atendimento está sendo menor que a esperada.
— Quando começamos a operar, percebemos que a disponibilidade dos intensivistas é maior do que estávamos planejando. Aproveitamos para abranger ainda mais o projeto e qualificar os atendimentos — justifica Elsade.
Até o final da tarde desta sexta-feira (24) foram feitos 22 atendimentos, sendo 15 no dia anterior. O número é considerado alto, mas na avaliação da Ciana, o método tem funcionado sem intercorrências.
— Ontem ajudamos a tender uma criança indígena de Erechim que possui uma condição crônica que não vai se alterar em pouco tempo, então manejamos o paciente e foi decidido que ele iria ficar no hospital entubado, sem precisar ir para outra cidade — relata a intensivista.
Como funciona
Quando uma criança em situação crítica chega à sala vermelha de um hospital, a equipe entra em contato com a central de regulação de leitos do Estado. A central por sua vez fará a triagem e, se necessário, encaminhará o caso para a equipe de teleatendimento. O médico recebe do seu monitor as informações do paciente e entra em contato com a equipe. Da entrada do paciente até o início da chamada, leva um tempo médio de 30 minutos.
A plataforma utilizada tanto pelo hospital quanto pela central é fornecida pela empresa contratada, permitindo chamadas em vídeo e por áudio. O sistema é o mesmo já utilizado em ambulâncias do Samu. Após o atendimento a equipe intensivista orienta a central sobre a necessidade ou não de transferência, e os reguladores tomam a decisão e informam a equipe.
Em um intervalo de três horas, o profissional que está em Porto Alegre faz um novo contato para ter atualizações do caso e, se necessário, dar novas recomendações.
Ao lado da mesa do intensivista fica um Técnico Auxiliar de Regulação Médica (Tarm), responsável por organizar os atendimentos em planilhas e eventualmente encaminhar as demandas para o médico.
Sistema deve permanecer até o final do inverno
A empresa deve seguir contratando novos profissionais para compor a equipe de teleatendimento. O contrato foi feito em caráter emergencial e tem duração de três meses. A intenção da SES é não prorrogar o vínculo após o fim do inverno.
Apesar disso, o método da telemedicina não deve deixar o sistema de saúde pública tão cedo. Na avaliação de Ciana, é preciso que os profissionais se qualifiquem ainda mais para passar a atender sem jalecos e fora da sala de cirurgia.
— A gente sabe que leitos de UTI não vão se criar, mas a gente pode ajudar no atendimento inicial dessas crianças, que podem ser transferidas, mas vão chegar sem maior risco de vida. Mas para isso, precisamos melhorar a comunicação e estarmos mais preparados para um modelo diferente de atendimento — conclui a pediatra.