Nas dependências do Hospital da Restinga, na zona sul de Porto Alegre, dois consultórios oftalmológicos repletos de tecnologia estão sem uso. Os espaços não precisam de um oftalmologista, pelo menos não de maneira presencial. Eles eram parte do sistema que integra o antigo programa Teleoftalmo — Olhar Gaúcho.
A iniciativa foi lançada com pompas em 2017, através de uma parceria do Hospital Moinhos de Vento com o Ministério da Saúde, governo do Estado, prefeituras municipais e o TelessaúdeRS-UFRGS. Tudo pelo Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-Sus).
No lançamento do programa, autoridades como o então ministro da Saúde Ricardo Barros, o ex-governador José Ivo Sartori e o então prefeito Nelson Marchezan Junior foram até o consultório no Hospital da Restinga.
Os médicos do TelessaúdeRS atendiam remotamente em oito consultórios, sendo dois na Capital e os outros distribuídos em Santa Maria, Farroupilha, Pelotas, Passo Fundo, Santa Cruz do Sul e Santa Rosa.
A contrapartida das prefeituras era oferecer técnicos de enfermagem para operar os equipamentos conforme os oftalmologistas orientavam à distância. As cidades também faziam o deslocamento de pacientes, já que o espaço atende por regiões. Na Capital, por exemplo, pessoas da Região Metropolitana também poderiam ser encaminhadas com uso da fila estadual do SUS.
Como Porto Alegre foi sede do projeto, a prefeitura acabou recebendo técnicos do Hospital Moinhos de Vento, que trabalhavam nos consultórios na Restinga. No final do ano passado, o triênio do contrato entre o hospital e o governo federal foi encerrado. Agora, o próprio TelessaúdeRS seguiria com os trabalhos, financiados pela Secretaria Estadual de Saúde (SES-RS). O período de treinamentos e transições ocorreu durante todo o ano de 2021.
Contrapartida dos municípios
Com a troca, o programa seguiu normalmente em 2022. Conforme a SES-RS, a parte de administração dos equipamentos e da tecnologia foi repassada pelo governo para o Grupo Hospital Conceição (GHC) — é uma exigência do Proadi que uma entidade federal faça esse cuidado, caso do GHC. E a parte de atendimento pelos médicos segue com o TelessaúdeRS.
Entretanto, a prefeitura de Porto Alegre não entrou com a contrapartida que outras cidades do Interior já tinham, que são os técnicos de enfermagem, pois os do Hospital Moinhos de Vento deixaram as funções após o fim do antigo convênio.
Procurado pela reportagem, o Telessaúde-RS confirmou que os consultórios de Porto Alegre não estão atendendo. Segundo o vice-coordenador do TelessaúdeRS, Natan Katz, eram ofertadas cerca de 400 consultas por mês no espaço, sendo 40% da demanda vinda de moradores da própria Capital.
Com o local desativado desde janeiro, ao menos, já foram cerca de 2 mil consultas que deixaram de ser prestadas para quem vive em Porto Alegre e na Região Metropolitana.
— Os profissionais seguem sendo utilizados, reforçamos o atendimento para as cidades do Interior, que pedem muito pelas consultas. Em várias localidades, conseguimos zerar as filas de espera por oftalmologista — explica Natan.
Conforme o coordenador, atualmente oito profissionais atuam atendendo numa carga horário de 75 horas semanais nos seis consultórios espalhados pelo Estado. Com o tempo sem atendimento na Capital, a fila de encaminhamentos acumulados pelo Teleoftalmo chega a quase 2,5 mil solicitações.
— Hoje, são 2.447 pacientes no total, sendo 785 solicitações de Porto Alegre e 1.662 de outros municípios — explica Natan.
Fila do Sus na Capital
Oftalmologia não é uma especialidade que a prefeitura de Porto Alegre deveria deixar de utilizar num sistema como o do TelessaúdeRS. Isso porque é uma das que mais acumula solicitações de atendimento em espera na fila do Sus municipal, conforme mostrado por GZH em diversas ocasiões.
Nos dados mais recentes da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), referentes a abril deste ano, a oftalmologia geral adulto e a oftalmologia triagem visual, duas filas que podem ser atendidas pelo programa do Telessaúde, acumulavam 17.830 solicitações aguardando atendimento.
Programa não é uma prioridade
A SMS explicou que busca outros caminhos para solucionar os gargalos da oftalmologia na saúde municipal. Desde abril, segundo a pasta, estão sendo realizados mutirões de consultas da especialidade nos hospitais Restinga e Vila Nova.
A pasta garante que os mutirões vão ofertar 2 mil consultas extras/mês no Hospital da Restinga e mil consultas extras/mês no Hospital Vila Nova. Ainda não é possível saber os efeitos do mutirão na fila do SUS municipal, pois os dados mais recentes divulgados referem-se ao mês de abril.
Em nota, a pasta "entende que essa estratégia é mais rápida e efetiva para alcançar o objetivo de reduzir a demanda reprimida nesta especialidade". A secretaria acrescenta ainda que "ao final dos mutirões, se houver necessidade, a SMS irá avaliar a possibilidade de retomada do programa Teleoftalmo". Ou seja, cidades da Região Metropolitana seguirão sem poder encaminhar pacientes para o programa estadual.