Depois de mais de duas décadas abandonada, correndo risco de desmoronamento e até de demolição, a Villa Nenê, em Canoas, será revitalizada. Não só isso, o espaço receberá uma das sedes do Museu Municipal Hugo Simões Lagranha, que será modernizado, possibilitando a criação de uma área específica para reserva técnica, sala administrativa e demais inovações.
O projeto é conveniado ao Edital +Museus, da Secretaria Estadual de Cultura, lançado em outubro de 2021. A parceria se estende por dois anos, e a primeira parte será focada na obra de recuperação da Villa. Já o segundo ano será dedicado para elaboração de planos museológico, educacional, artístico e de comunicação. O valor total investido será de R$ 4.081.426,07, sendo R$ 2.856.998,25 via repasses do governo estadual, com contribuição de R$ 1.224.427,82 da Secretaria Municipal de Cultura.
— Restaurar a Villa era uma meta desde o início de governo, e o edital facilitou isso para nós. O local é querido por todos da cidade, principalmente pelos moradores do entorno dele, que estão felizes com a novidade — comenta o secretário municipal de Cultura, Wolmar Pinheiro Neto.
O projeto será coordenado pela arquiteta Cristina Maria Werner Delazeri, pelo diretor de Equipamentos, Patrimônio e Memória, Carlos Humberto da Costa Marques, e pelo chefe da Unidade de Museus e Arquivos Históricos, Airan Aguiar.
Legado
Localizada no bairro Marechal Rondon, a Villa Nenê recebeu este nome em homenagem a Gomercinda Ignácio Silveira, conhecida por Nenê, a segunda esposa de Antônio Cândido da Silveira, empresário canoense que ergueu o local em 1928. Segundo o historiador Airan Aguiar, anos antes, Silveira havia encerrado a sociedade que tinha com a família Witrock e montou seu próprio negócio nos fundos do terreno. A empresa produzia móveis com maquinário a vapor, sendo uma das primeiras da cidade a usar essa tecnologia e a exportar para o Uruguai e para outros Estados do Brasil.
Além do destaque na economia, Antônio teve grande participação política e social no município. De acordo com os registros históricos, em 1921 atuou como juiz do 4º Distrito de Gravataí (Canoas). Também participou da organização política da localidade, constituindo, em 1933, a Comissão Pró-Melhoramentos, movimento que impulsionou a emancipação política de Canoas, em 1939. Logo depois, fundou a Associação Comercial de Canoas. Teve, ainda, participação na edificação da Igreja Matriz São Luiz Gonzaga, período em que assumiu o cargo de fabriqueiro.
Após o falecimento de Nenê e depois um incêndio em sua indústria, Antônio decidiu encerrar as atividades como empresário do setor moveleiro em 1957. Ele morreu em 1962, aos 75 anos de idade.
— Ele não foi um mero empresário, deixou todo um legado e teve um papel importantíssimo na constituição do município — conta o historiador Airan.
Estilo peculiar
De acordo com Airan, o estilo arquitetônico da construção é o ecletismo tardio — muito comum no final do século 19 — algo que destoa bastante das demais residências da cidade. Embora tenha outros locais com traços ecléticos, a Villa Nenê é diferente, os detalhes não são simétricos:
— Até nisso a casa chama a atenção, e é importante para a história cultural e artística de Canoas. Se reparar os detalhes da casa, percebe-se que ela não tem um padrão.
Acredita-se que, à época, esse estilo não teve tanto sucesso por conta de ser algo atípico na região, mesmo entre os que possuíam poder financeiro para tal. Além disso, as famílias pertencentes à classe alta adotavam esses estilos justamente para demonstrar que tinham acesso à cultura.
Memória afetiva
Até o início da década de 1970, ainda residiam membros da família Silveira por lá. Após isso, com a venda, o lugar virou restaurante e, posteriormente, uma biblioteca. O fotógrafo Rodrigo Silveira, neto de Antônio Cândido e dona Nenê, nasceu no local e residiu na casa no seu primeiro ano de vida. Embora não tenha lembrança dessa época, ele sempre ouviu inúmeras histórias de suas raízes. De acordo com Rodrigo, seus familiares contam que a casa era muito grande, tinha um pé direito alto, sótão e os quartos eram enormes.
— Sempre pensei em ter dinheiro suficiente para resgatar aquele lugar, eu ficava triste com a casa se deteriorando. Mas estou feliz com a possibilidade da Villa ser reformada e virar um museu. Talvez, no futuro, posso sonhar em expor minhas fotografias por lá — diz Rodrigo.
Mesmo tendo sido tombado como patrimônio histórico em 2009, o prédio continuou correndo risco de desabamento e era comum haver debates sobre a demolição dele. Durante esse período, alguns moradores de rua se abrigavam no prédio, mesmo em ruínas. Em 2018 houve um incêndio no local que consumiu grande parte da estrutura.
Produção: Leonardo Bender