O chope gelado e milimetricamente tirado não vai mais ser apreciado entre sanduíches abertos e bolinhos fritos na esquina mais boêmia do bairro Petrópolis. O Caverna do Ratão, bar histórico no número 1.709 da Avenida Protásio Alves, anunciou o encerramento de suas atividades presenciais neste domingo (27) de Carnaval, depois de 66 anos reunindo amigos e cultivando clientes em suas mesas e bancos — desde 2020, com o atendimento restrito devido à pandemia.
“Infelizmente, assim como outros comércios, fomos vítimas da baixa de movimento que vem acompanhada dos últimos anos. Temos grande carinho por todas pessoas que construíram as histórias dentro do nosso estabelecimento e, a princípio, mantemos nossos serviços pelo iFood e em breve outras plataformas”, escreveu Vera Saldanha da Cunha, 62 anos, filha do fundador e atual dona do bar.
A partir desta segunda (28), as cervejas e os quitutes estarão disponíveis apenas no serviço de telentrega por aplicativos. Essa foi a condição que levou Vera e o esposo Charles a fecharem as portas para clientes presenciais, primeiro em março de 2020, pela ameaça do vírus desconhecido, e, agora, um ano e 11 meses depois, pela crise econômica desencadeada desde então.
“É com profundo pesar que escrevo esse texto. Todo carnaval tem seu fim, e, após 66 anos localizada na Protásio Alves 1.709, a Caverna do Ratão encerra suas atividades presenciais. Agradecemos cada pessoa que compartilhou seus momentos conosco, cada brinde realizado dentro de nossas paredes e cada boa companhia que tivemos”, escreveu o perfil do bar no Instagram.
Histórias sexagenárias
O gestor cultural Cézar Prestes, 66 anos, morador do bairro Petrópolis, frequentava a Caverna desde os 24. Conheceu o bar e seu dono, Aristides Saldanha, e viu a própria família crescer junto com o empreendimento. Em 3 de outubro de 1986, foi com Aristides, apelidado de Ratão — alcunha que deu o nome ao local —, que Prestes comemorou a chegada da primeira filha, Mariana.
— Vim para casa depois do parto, ver nossa cachorrinha Laiza Minelli, que estava sozinha. Fui na Caverna comer um bauru e tomar um chope antes de dormir, e encontrei o Ratão ali. Estava fechando o bar, tinha acabado o chope. Ele tirou umas cervejas escondidas do estoque que ele chamava de reserva técnica, e quase tomamos um porre — relembra.
O ambiente familiar também atraía personalidades gaúchas de outras áreas para a Caverna. Apesar da disciplina com que Aristides tocava seu negócio, sempre havia espaço para a troca de ideias entre um pedido e outro.
— O Ratão era como se fosse a nossa cozinha de casa. Sentávamos no balcão e ficávamos conversando e vendo eles trabalharem. Esse diálogo com eles era muito legal, eu raramente ia para a mesa. Essa troca entre nós era terapêutica. Era tudo muito caseiro, familiar, ao mesmo tempo era um ambiente cultural e até político, de todos desarmados e à vontade para manterem conversas — comenta o gestor cultural, assinalando a única proibição que existia dentro da Caverna: — Não podia namorar de ficar se agarrando, trocar beijos. O limite era sentar de mão dada. Ele (Aristides) ficava sentado ouvindo um rádio de pilha e fiscalizando o movimento. Quando alguém se passava, ele ia até a mesa e perguntava se não queriam uma saideira ou já acertar a conta.
Assim como a maioria dos clientes, Cézar diminuiu o ritmo de visitas à Caverna durante a pandemia. Ele conta que sua última ida até a esquina da avenida Protásio Alves com a Rua Eça de Queiroz foi para buscar algum lanche, o qual não lembra qual era, em algum momento de 2021.
— É muito triste, pois aquele lugar é parte da nossa história como porto-alegrenses — lamenta.
Desafios da modernidade
No aplicativo que conecta clientes aos restaurantes, o Bar Caverna do Ratão não apresenta cardápio nem a opção de retirada no local. Apenas as informações de valor mínimo para fazer pedidos (R$ 20 + a entrega do aplicativo, que custa R$ 7,99) e horário de funcionamento (segunda a sexta, 17h até 23h) estão disponíveis. Desde novembro de 2020 no catálogo do iFood, já recebeu 29 avaliações de clientes, todas com a nota máxima (cinco estrelas).
A reportagem tentou perguntar para Vera quais produtos deverão ser oferecidos no cardápio das plataformas de entrega de comida, qual será o destino do imóvel onde é a Caverna do Ratão desde 1955 e de onde seguirão as operações do icônico bar, mas obteve como resposta apenas um agradecimento aos parceiros comerciais e clientes.
Leia a nota enviada por Vera:
“Estamos finalizando nossa longa temporada marcando presença nas noites da Protásio Alves. Infelizmente, assim como outros comércios, fomos vítimas da baixa de movimento que vem acompanhada dos últimos anos. Temos grande carinho por todas pessoas que construíram as histórias dentro do nosso estabelecimento e, a princípio, mantemos nossos serviços pelo Ifood (e em breve outras plataformas).
Agradecemos a grande parceria que foi o Jornal do Comércio, a Zero Hora e outros veículos de comunicação. Durante esses anos tivemos também o apoio da Brahma e da Schin, e juntos pudemos conquistar diversos prêmios inéditos de melhor chopp da capital.
Aos companheiros do Açougue Manía de Gaúcho que além de fornecedores de qualidade também nos ajudaram muito nesses últimos anos.
Por último mas não menos importante, agradecer aos familiares que deram a vida por esse estabelecimento e a todos amigos que aqui fizemos. Por hora é isso.”