Um local que era usado para criação de animais se tornou um espaço de lazer no bairro Bom Jesus. Mas não é só isso que a Praça dos Anjos significa, segundo a faxineira Jorja Beatriz Rodrigues Gonçalves, mais conhecida pelo apelido Beia, 60 anos:
— Não é só uma praça de lazer, ela é uma praça de referência, onde a gente faz festa, onde a gente faz doação, faz o sopão, doa alimento.
Moradora do bairro desde que nasceu, ela tem se dedicado a ações sociais há cerca de 20 anos. E foi a responsável por começar a transformar a antiga Praça dos Cavalos na atual Praça dos Anjos. Em dezembro de 2021, o trabalho lhe rendeu a nomeação de "prefeita da praça" pela prefeitura de Porto Alegre.
Mas, além de cuidar do local, Beia também promove doações de alimentos e de roupas, assim como eventos para a comunidade — e já conseguiu até levar um circo para a praça.
— Eu fui uma guria que passou fome, passou frio, dormiu na rua. Então, o fato de eu buscar alimento é porque passei fome. O fato da doação de roupa é porque passei frio. O fato de querer melhorar, querer fazer uma festinha para as crianças, é porque eu passei por isso e, dentro daquilo que é possível, se eu pudesse, ninguém passaria — destaca.
História de anos
Hoje, um galpão, banheiros e um vestiário — para os torneios locais de futebol masculino e feminino — estão sendo construídos na praça. Mas a história de transformação do local tem se desenvolvido ao longo de duas décadas. No início, a então Praça dos Cavalos tinha outro propósito:
— Não tinha brinquedos, não era uma praça propriamente, era um pedaço vazio, um espaço vazio, onde eles criavam porco, cavalo.
Foi então que Beia decidiu fazer uma festa junina para as crianças em uma parte da praça. O evento "encheu de gente", lembra. Depois, com a ajuda de outros moradores, surgiu o sopão comunitário e também foi realizada uma festa de Dia das Crianças. O passo seguinte foi conversar com os donos dos animais para que tentassem levá-los para outro lugar.
O novo espaço
Mesmo com algumas pessoas indo contra a mudança do espaço, como relata Beia, ela seguiu em frente. Árvores foram plantadas, uma tela passou a separar a praça do campo e brinquedos começaram a ser colocados: um deles foi encontrado no lixo e reformado, a casinha de madeira foi construída e outros vieram de doação.
O nome, então, já não fazia mais sentido e foi trocado por volta de oito anos atrás. Em um grupo do bairro no Facebook, Beia propôs uma votação, sendo "Praça dos Anjos" o mais escolhido.
As transformações foram ocorrendo com a ajuda da própria comunidade e de outras pessoas, grupos e institutos que fizeram doações ao longo do tempo. Uma das moradoras que passaram a se envolver nas demandas, auxiliando Beia, foi a dona de casa Carmen Vera Duarte da Silva, 53 anos. Carmen explica que, sem a praça, não teria onde ir na região.
— Chega sábado e domingo, enche a praça de criança, coisa mais linda — comenta.
Um cuidado especial
Um dos reparos mais recentes teve auxílio da Secretaria Municipal de Serviços Urbanos, em 2021. Segundo o secretário da pasta, Marcos Felipi Garcia, bancos foram colocados e pintados e também foi feita a manutenção e a pintura de brinquedos e da tela do campo, além da troca de lixeiras, dos ajustes na iluminação e da poda de árvores. E durante esse período, Beia também acompanhou os trabalhos.
— Por todo esse envolvimento que ela tem com a comunidade, de fazer ações ali, de cuidar da praça, ela ficou como uma espécie de guardiã do espaço enquanto a gente fazia as melhorias no local — conta o secretário.
Para ele, iniciativas como a da moradora permitem ter um espaço em condições de uso por mais tempo, facilitam que novas ações e eventos ocorram e geram economia para a prefeitura, já que um lugar bem cuidado não precisa de manutenção tão frequente.
O secretário foi uma das autoridades que estiveram presentes quando Beia foi nomeada prefeita da praça. Hoje, de acordo com a Secretaria Municipal de Parcerias, 65 pessoas têm esse título em diferentes praças da Capital. A nomeação é feita a cidadãos que adotam ou têm um cuidado especial com algum espaço público. Assim, a pessoa se torna responsável por cuidar do local, acompanhar a manutenção e comunicar quando há problemas.
Como ajudar
- Beia aceita doações de roupas, calçados, cobertas e alimentos para distribuir na comunidade, além de doces, que serão destinados às crianças na Páscoa
- Materiais de construção e itens como um armário e um fogão (para a cozinha que será construída para fazer o sopão comunitário) também são aceitos
- As doações podem ser entregues na própria praça, que fica na Rua T, próxima ao Ecoponto do DMLU
Produção: Isadora Garcia