Indígenas acadêmicos da Universidade Federal do RS (UFRGS) reivindicam que um imóvel abandonado no Centro Histórico de Porto Alegre seja transformado em casa do estudante. Com esse objetivo, o antigo prédio da então Secretaria Municipal da Produção, Indústria e Comércio (Smic), que fica ao lado do túnel da Conceição, foi ocupado por 46 estudantes da graduação, mestrado, doutorado e lideranças da comunidade indígena, na tarde de domingo (6).
— Chegamos aqui às 15h, antes da chuvarada, e encontramos cerca de 20 usuários de drogas no local. Explicamos nosso movimento, mas eles só saíram do prédio quando a Guarda Municipal chegou. Também pressionaram a gente para sair, mas não vamos, pois estamos dialogando com a prefeitura — conta Woie Xokleng, mestrando em Educação e líder comunitário dos Xokleng, sendo ele o único representante dessa etnia na UFRGS.
A atual oferta de moradia estudantil é de 550 vagas, segundo a UFRGS, porém não permite que estudantes vivam com seus filhos nos apartamentos mantidos pela universidade. Contando com Woie, são 75 alunos que ingressaram em processos seletivos gerais e específicos para povos originários na universidade. Boa parte desse grupo é composto por alunos com filhos e que, segundo ele, têm o direito de viver com os pequenos no mesmo imóvel, mesmo em condição de moradia estudantil provida pela universidade, de acordo com a legislação.
— Pedimos por esta casa estudantil indígena desde 2008, quando chegamos na UFRGS. Para falar em diversidade, é preciso respeitar nossa cultura. Crianças indígenas precisam ser escondidas na Casa do Estudante Universitário (CEU) regular porque a lei não permite criança ali, mas nós indígenas temos essa necessidade de viver em família, em contato com a natureza e com a comunidade, é lei — argumenta.
Por volta do meio-dia desta segunda-feira (7), 10 ocupantes indígenas e apoiadores se reuniam no pátio em frente ao edifício ocupado para ouvir servidores da UFRGS que foram manifestar apoio ao movimento e organizar o contato entre eles e a reitoria. O conselho da universidade deve levar o assunto para a pauta da semana, em reunião prevista para a sexta-feira (11), e apresentar parecer favorável à criação da casa do estudante indígena, segundo apurou GZH. A posição oficial da universidade, no entanto, foi apresentada por meio de nota, ainda no domingo, sinalizando que vai tentar encontrar uma solução para a reivindicação em diálogo com a prefeitura.
O prédio ocupado
O imóvel havia sido doado pela prefeitura à UFRGS em 2021, porém, foi devolvido ao Executivo municipal no começo de 2022, sem nenhuma modificação feita. A reportagem encontrou, nesta segunda, o edifício de cinco pavimentos sem janelas, pichado, sem algumas paredes nem abastecimento de água e energia elétrica. A alimentação dos ocupantes é fornecida por uma ação conjunta e permanente dos Cozinheiros Solidários em parceria com o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
A área em frente ao imóvel virou refeitório para o almoço de alguns ocupantes. Sentados pelo chão, em colchões doados ou em cadeiras de praia, uma mesa acumulava garrafas de água, café e lanches. Três crianças pequenas, com menos de três anos, brincavam entre os adultos, ilustrando a principal demanda do movimento.
— Vamos resistir porque temos esse direito. Cansamos de enviar papéis e fazer pedidos para todos os órgãos possíveis, queremos uma resposta — pede Woie.
A posição da prefeitura
Woie afirma que ele e seus pares foram intimidados pela Guarda Municipal. Outros apoiadores do movimento também confirmam esse relato. A prefeitura, proprietária do imóvel, afirmou, em nota, ainda no domingo, que busca alternativas jurídicas e práticas para uma solução pacífica. Já na segunda, depois de um novo encontro com os estudantes, declarou que buscará ampliar o diálogo, mas ressaltou que a demanda não é diretamente vinculada ao executivo municipal. Leia a nota na íntegra:
"Na tarde dessa segunda-feira, 7, em reunião realizada na Secretaria de Desenvolvimento Social (SMDS), os representantes do grupo de indígenas, que ocupou o antigo prédio da Secretaria da Produção, Indústria e Comércio (Smic), localizado entre a avenida Osvaldo Aranha e o Túnel da Conceição, solicitaram o apoio da Prefeitura na construção de um diálogo com a reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) para a criação de uma Casa do Estudante Universitário Indígena, que aceite a presença de crianças.
A reunião foi coordenada pelo secretário Léo Voigt que informou ao grupo a disponibilidade da Coordenadoria dos Povos Indígenas, Imigrantes, Refugiados e Direitos Difusos da SMDS para a construção do diálogo, mas que não há possibilidade de permanência deles no prédio devido ao alto risco que representa para a segurança das pessoas. Os representantes indígenas solicitaram a análise da cedência de algum outro prédio Municipal onde possam permanecer até o desfecho da situação.
A Guarda Municipal, que acompanha desde a tarde desse domingo, 6, o ingresso de cerca de 60 indígenas no local, vai seguir orientando e assegurando as questões de segurança . Patrulhas da Ronda Ostensiva Municipal (Romu) da Guarda Municipal serão realizadas pelos agentes de segurança na região.
A representante do Ministério Público Federal informou que será instaurado um processo para definir os procedimentos da questão e que o MPF está também disponível para auxiliar no diálogo. Será marcada uma audiência pública sobre a pauta.
A Procuradoria-Geral do Município (PGM) enfatiza que o imóvel ocupado por indígenas é de propriedade do Município, e que a demanda do grupo, formado por alunas da Universidade Federal do Rio grande do Sul, que reivindicam uma casa de estudantes, não tem relação alguma com o Município. Informa ainda que tomará as medidas jurídicas cabíveis para resguardar o patrimônio público, bem como a segurança das ocupantes.
Neste momento há cerca de 20 indígenas no prédio, em sua maioria mulheres com crianças."
Leia a nota da UFRGS na íntegra:
"Em relação à ocupação do antigo prédio da Secretaria Municipal da Indústria e Comércio, informamos que:
- A Universidade Federal do Rio Grande do Sul é uma universidade aberta e que trabalha pela inclusão. No que diz respeito à população indígena, oferece ingresso por todos os meios estabelecidos na legislação acadêmica: cotas no vestibular, acesso via SISU e Processo Seletivo Específico para Indígenas.
- Em todas as questões de assistência envolvendo a população indígena, a UFRGS atua observando os limites e diretrizes estabelecidos pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI).
- A UFRGS foi uma das universidades que mais destinou recursos nos últimos dois anos para o atendimento assistencial, o que inclui os indígenas. O valor investido foi superior a R$ 38 milhões. - Entre as modalidades de assistência estão as Casas do Estudante, localizadas em três campi distintos, totalizando cerca de 550 vagas, disponibilizadas a todos os alunos que contemplem os requisitos dos editais de chamamento.
- Além disso, os indígenas têm vaga garantida na moradia estudantil e, no caso de mães ou pais, podem optar pelo auxílio-moradia, caso assim desejem.
- A Universidade está em contato com a Prefeitura de Porto Alegre, proprietária da área, para atuar de forma cooperada no tema. Um representante da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis será indicado para integrar os trabalhos e o diálogo com os estudantes indígenas"
Os indígenas na UFRGS
75 matriculados em 16 cursos de graduação
Mestrandos: 7
Doutorandos: 6