Esta segunda-feira (14) foi o último dia em que a linha 705.2-Aeroporto/Ceasa foi operada por uma dupla de profissionais. Carlos Zubaran, 69 anos, e Alexandre Peixoto, 39, o cobrador, deixarão a linha na terça. Essa e outras 11 linhas de ônibus de Porto Alegre não terão mais cobradores em seus veículos, tendo no condutor a figura responsável também por receber os pagamentos das passagens, auxiliar embarque e desembarque de pessoas com deficiência e orientar os passageiros que precisam de informações ao mesmo tempo em que pilotam os coletivos.
Zubaran, aposentado desde 1999, também será transferido. Ele irá para outra linha que ainda vai operar com um motorista e um cobrador porque não aceitou a mudança que acarretará em um acúmulo de funções. Já Peixoto faz cursos para virar motorista nos novos parâmetros da função, e seguirá sendo companheiro de jornada de Carlos enquanto a oportunidade de comandar um ônibus não chega.
— Não tiro a razão, é o direito de quem toca a empresa e faz as mudanças, mas vai ser um problema para um monte de gente. Conheço bem a profissão há mais de 40 anos, sei como são essas mudanças para os trabalhadores — analisa Zubaran, funcionário da Mob e suas empresas participantes do consórcio da zona norte da Capital há 41 anos, sendo 35 deles no mesmo trajeto:
— A gente se acostuma com as pessoas. Vi criança que ia para o colégio crescer e se formar. Vou sentir falta, mas não tenho como ficar como motorista e cobrador — detalha, já saudoso, por volta das 8h30min do último dia como motorista do trajeto entre o terminal Julio de Castilhos e a Ceasa.
Nos 37 minutos de viagem que a reportagem acompanhou entre o Centro e o complexo comercial da Zona Norte, Peixoto não precisou auxiliar nenhum deficiente físico no embarque ou desembarque, informou a parada de destino de um senhor que não sabia onde descer e recebeu valores em espécie de menos de 10 passageiros. A maioria, cerca de outros 30, passou a roleta com o cartão Tri em mãos. A linha foi uma das escolhidas para deixar de ter cobrador agora justamente pelo histórico de poucos pagantes em dinheiro vivo.
Na empresa há 16 anos — 15 como cobrador — Peixoto já possui a Carteira Nacional de Habilitação classe D necessária para dirigir ônibus e veículos pesados. Ele usufrui dos cursos que a própria contratante fornece para aprender a nova profissão.
— Certamente é mais estressante ter que dirigir e cuidar de passageiro pedindo informação, observar as portas, fazer embarque e descida de cadeirante, mas a gente se acostuma. Vamos dar um jeito — pondera.
Parceria que segue
Xerox e Quiqui, como são apelidados entre colegas, comandarão as manhãs de um dos ônibus que fazem a linha 650-Avenida do Forte a partir da terça. A marca famosa por fabricar fotocopiadoras virou a alcunha de Zubaran porque, segundo ele, quando entrou na empresa, havia outro motorista muito parecido com ele.
— Confundiam um e outro, aí diziam que eu era o Xerox do que era mais velho na firma — revela.
— Tu vês que os caras são folgados, né… Me chamam de Quiqui porque às vezes eu dou umas gaguejadas — complementa Alexandre, sem repetir nenhuma sílaba.
Ao final do trajeto de uma hora e três minutos entre a saída e o retorno até o terminal que fica embaixo do Pop Center, Carlos desligou os motores do ônibus e desceu com seu colega cobrador para tirar um breve intervalo na plataforma de embarque. Ali, a passageira Regina Silveira, 48 anos, os esperava lamentando o próprio atraso logo no último dia de atividades da dupla. Ela perdeu a viagem que iniciara às 8h20min, mas fez questão de esperar até o retorno deles para dar um abraço e tirar uma foto com a dupla.
— Eu estou achando horrível essa saída deles dessa linha, vou ficar muito triste. Imagina ficar 10 anos convivendo com eles. Esperei para dar um abraço — declarou, depois de um afago e uma breve sessão de fotos com sorrisos atrás das máscaras, sem esconder o temor da demissão dos amigos rodoviários.