Dois pareceres concluídos pela Secretaria Municipal da Cultura (SMC) apontam que não foi localizada nenhuma relação entre a suástica nazista e a pintura do piso de um recanto junto ao lago do Parque Farroupilha, a Redenção, em Porto Alegre.
Os documentos, assinados pelo titular da SMC, Gunter Axt, e pelo diretor de Patrimônio e Memória da pasta, Nelson Boeira, atentam para a ausência de provas, indícios ou documentações que sustentem a alegação de que a obra faria alusão ao nazismo. Além disso, é destacado que o contexto da provável época de realização da arte original era desfavorável para a Alemanha hitlerista no Brasil, o que tornaria menos possível uma homenagem oficial.
A polêmica teve início em meados de outubro, quando postagens de frequentadores da Redenção nas redes sociais levantaram a suspeita de que o grafismo no piso faria menção à suástica. O caso ganhou repercussão e o prefeito Sebastião Melo determinou que a SMC fizesse um estudo histórico sobre o recanto. À época, ele manifestou que, caso ficasse demonstrada vinculação, a pintura seria removida. Contudo, os pareceres não detectaram relação com o nazismo, movimento responsável por milhões de mortes na Segunda Guerra.
A pesquisa da SMC no arquivo histórico não identificou o autor original da obra, mas apontou que ela foi realizada “certamente na década de 40”. O mais provável é que a pintura tenha sido feita na primeira metade desta década. É esse contexto que move a primeira argumentação da SMC: a partir de 1938, o Brasil promoveu uma virada na relação com a Alemanha e os migrantes germânicos que aqui estavam. O presidente Getúlio Vargas nomeou Cordeiro de Farias como interventor do Rio Grande do Sul. Ao exercer a função, Cordeiro de Farias se notabilizou por governar o Estado com ímpeto de perseguição aos imigrantes alemães e aos germanistas.
— O registro fotográfico mais antigo dessa decoração do piso é de 1943. Neste ano, estávamos saindo do período Cordeiro de Farias, que foi um interventor muito duro com os teutos (alemães). Foi um período de perseguições, da campanha de nacionalização, da proibição da língua alemã — diz Axt.
Em 1942, submarinos alemães afundaram navios brasileiros na costa do país. Depois disso, o Brasil juntou-se aos Aliados e declarou guerra à Alemanha (Eixo). Foi nessa época que a população saiu às ruas de Porto Alegre e promoveu um quebra-quebra generalizado de empresas de origem alemã.
Considerando o contexto histórico, os anos de beligerância dos brasileiros com os alemães na década de 40 e a ausência de evidências documentais nos arquivos do município, Axt avalia que não há relação determinada entre a pintura da Redenção e qualquer homenagem ou alusão nazista. Ele soma uma razão estética à conclusão dos pareceres, que avaliou ser “preliminar”.
— O padrão decorativo do piso era bastante comum e popular nos anos 30 e 40 — diz Axt.
No parecer, ele escreve que o padrão gráfico remete “o abstrato nas obras de Piet Mondrian (pintor holandês modernista), rico em cores quentes, contrastes, linhas retas e figuras geométricas”.
Boeira, diretor de Patrimônio e Memória da SMC, ainda ressaltou que não foram localizados na imprensa da época, seja na brasileira ou na alemã que existia no Rio Grande do Sul, qualquer referência de que uma pintura com homenagem ou alusão ao nazismo havia sido inaugurada na Redenção.
— Isso não passaria despercebido — avaliou Boeira.
Ele salienta que o trabalho de pesquisa foi feito com “respeito” a quem eventualmente se sentiu ofendido pela pintura e deixou aberta a porta para a continuidade dos debates, dada a escassez de documentos de caráter histórico.
— No futuro, se vier uma prova concludente, podemos mudar de opinião. Mas tem de ser com base em argumentos e em pesquisas históricas substantivas e sólidas — pontuou Boeira.
O secretário da Cultura diz que não está definido o que será feito daquele recanto em termos de decoração. Depois das denúncias em redes sociais sobre o desenho, o piso foi vandalizado com tinta branca e verde.
— Entendemos que a vinculação não se sustenta, mas, como foi vandalizado, não está decidido o que fazer, se vamos restaurar ou suprimir. Para isso, será preciso abrir o debate com os técnicos (de patrimônio e memória da SMC) — afirma Axt.
O polêmico grafismo ressurgiu em fevereiro de 2020, ocasião em que vários pontos da Redenção passaram por reformas e restauro. No recanto, foi destacada e refeita a pintura original, que depois viria a ser objeto de polêmica.