Correção: o nome do padre é Júlio Lancellotti, e não Julio Ancellotti, como foi inicialmente registrado no título, sem o L inicial do sobrenome, entre 13h49min e 14h51min desta terça-feira (7). O título já foi corrigido.
Na manhã desta terça-feira (7), menos de 48 horas depois de o perfil do padre Júlio Lancellotti em redes sociais publicar uma foto da calçada da agência da Caixa Econômica Federal na Avenida Osvaldo Aranha, no bairro Bom Fim, em Porto Alegre, as pedras que estavam concretadas em frente ao número 1.316 foram retiradas.
A publicação do religioso, conhecido por seu trabalho com moradores de rua, denunciava a instalação de paralelepípedos na passagem de pedestres como uma manifestação de “ódio aos pobres”, porém sem apontar quem seria o autor de tal obra, ainda que mostrasse a fachada do imóvel pertencente ao banco público ao fundo da imagem.
As pedras na calçada são uma das estratégias utilizadas para evitar que os locais sejam abrigo de quem não tem moradia. Em fevereiro de 2021, uma publicação de Lancellotti, 72 anos, destruindo a marretadas uma estrutura de pedras na calçada semelhante em São Paulo, onde vive, mobilizou as redes sociais.
Desde então, o número de apoiadores do padre cresceu, e ele é saudado por políticos de siglas enquadradas no espectro da esquerda no cenário partidário brasileiro. Os ex-candidatos à Presidência Guilherme Boulos (PSOL) e Fernando Haddad (PT) são dois exemplos de figuras públicas que vinculam sua imagem à do pároco.
O espaço na calçada no número 1.316 da Osvaldo Aranha foi mais uma entre as tantas cenas que são alvo de denúncia do paulista pedagogo e militante da causa da população de rua no Brasil. Entre a segunda (6) e a terça-feira (7), por exemplo, das 16 publicações dele entre Instagram e Twitter, seis denunciavam manifestações ou estruturas físicas que, na visão do padre, não contemplam o direito das pessoas em situação de rua de viverem plenamente.
Além de Porto Alegre, Balneário Camboriú (SC), Jaru (RO), São Bento do Sapucaí (SP), Nova York (EUA), Santo André (SP) e Ribeirão dos Pires (SP) foram citadas em imagens publicadas no perfil @pejulio.
Contatada pela reportagem, a Caixa Econômica Federal confirma, por meio de nota, que removeu a intervenção, mas não vincula a obra à repercussão negativa nas redes sociais a partir da publicação de Lancellotti: “A Caixa informa que está realizando o serviço de readequação da fachada da agência da Avenida Osvaldo Aranha n° 1316, em Porto Alegre, atendendo ao cronograma de obras previsto”.
Especialistas defendem um novo olhar sobre os sem-teto
Para o professor da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do RS (UFRGS) e doutor em Planejamento Urbano e Regional Eber Pires Marzulo, a cidade deveria prover equipamentos que contemplassem os moradores de rua. Segundo ele, a tensão gerada pelo aumento no número de sem-teto, em virtude da falta de políticas aos mais pobres na pandemia e na crise econômica, cresce por causa da "ação pública de penalização direta ou indireta desse grupo".
— A instalação de equipamentos públicos como bancos confortáveis para o sono, banheiros públicos com manutenção e limpeza facilitaria a vida desses grupos e diminuiria os efeitos negativos que arquitetura hostil gera. Os moradores de rua são parte constitutiva, pelo menos, da experiência urbana ocidental — afirma.
Presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil no Estado (IAB-RS), Rafael Passos afirma que o espaço público precisa ser generoso com todos, inclusive com quem vive na rua. Ele defende que as pessoas tenham uma convivência amigável com os moradores de rua e que se lance um novo olhar sobre essa situação, que não seja simplesmente uma repressão ou higienização:
— Eles (moradores de rua) acabam tendo até, muitas vezes, um papel de contribuir para a segurança do lugar porque eles são mais um olhar sobre a rua. E quando há essa relação amigável entre os moradores de uma região e as pessoas em situação de rua, isso contribui. Claro, tem a questão da limpeza, que também é uma questão de diálogo para se ajustar essas situações. O pior é fechar os olhos e negar uma situação real das nossas cidades, que vai muito além de um problema urbano. É um problema econômico, social.