As docas do Cais Mauá, você sabe, não servem para nada. É um espaço abandonado onde ninguém sequer consegue entrar – o acesso é restrito a funcionários do Estado. Aliás, ninguém sequer enxerga o que tem ali, porque o Muro da Mauá e os trilhos do trensurb, há mais de quatro décadas, isolaram as docas do restante da cidade. Sobraram no local um punhado de pavilhões caindo aos pedaços e o histórico frigorífico que minha geração nunca pôde visitar.
Em resumo, as docas hoje mal existem: o porto-alegrense nunca frequenta, nunca usa e nunca vê. Seria nesse vazio urbano, na extremidade norte do cais, perto da rodoviária, que nove torres residenciais e corporativas se levantariam à beira do Guaíba. As construções estão previstas no novo projeto de revitalização do Cais Mauá, apresentado no final de novembro pelo governo gaúcho.
Não faltou quem torcesse o nariz. Alguns disseram, primeiro, que os prédios bloqueariam a vista para o pôr do sol e também a brisa que vem da água. Não faz o menor sentido, porque a vista para o pôr do sol, naquele ponto, já está bloqueada pelo muro e pelo trem – ninguém vê coisa nenhuma dali. Já em relação à brisa, sinceramente, você já procurou as docas no Google Maps? Faça isso, por favor, já que é impossível conhecê-las pessoalmente.
As docas ocupam, ao todo, 700 metros de extensão à beira do Guaíba. Mas, desses 700 metros, só 400 podem receber algum tipo de construção – o restante é água, é lugar para barco navegar. Quer dizer: as nove torres vão ocupar 400 metros (não contínuos, vale ressaltar) no meio de oito quilômetros sem nenhum prédio na Orla. Afinal, como se sabe, de um lado das docas está o Cais Mauá, com seus armazéns tombados, e do outro lado funciona o porto da Capital. Ou seja, tem muito, mas muito espaço para a brisa passar – dizer que Porto Alegre será "uma nova Camboriú" é uma maluquice.
Mas há outro argumento contrário às torres. Como elas serão residenciais, alguns falam em "gentrificação" daquela área. Será? Gentrificação ocorre quando moradores pobres precisam deixar suas casas, conforme um bairro vai se valorizando, porque a região ficou cara demais para viver. Aí os ricos tomam conta, o que de fato é revoltante, já que, na prática, estão expulsando os moradores antigos. A questão é que, no caso das docas, não existe ninguém para ser expulso. Porque, repetindo, não tem coisa nenhuma ali.
Qual é o problema de usar aquele espaço para construir os empreendimentos que, no fim das contas, vão permitir a revitalização do cais inteiro? São essas torres que vão viabilizar, por exemplo, o investimento em uma alternativa para o Muro da Mauá, que deve ser derrubado entre o Gasômetro e a linha do trensurb. A própria área das docas – que continuará com o muro – finalmente vai ganhar acesso público: todas as torres, residenciais ou corporativas, terão estabelecimentos comerciais no térreo.
Não consigo enxergar qualquer prejuízo para a Capital, pelo contrário. Uma área pequena, esquecida, isolada e abandonada nunca foi tão importante como agora.