Duas semanas após decreto permitir a doação de alimentos que sobram em restaurantes de Porto Alegre, ainda não há registro de empresas que aderiram à novidade. Do outro lado, pelo menos 15 entidades já demonstraram interesse em receber os donativos.
Segundo a presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) no Estado, Maria Fernanda Tartoni, os empresários celebraram o decreto, uma vez que antes receavam o risco de serem responsabilizados criminalmente caso alguém viesse a passar mal após o consumo de algum alimento doado. O decreto determina que o doador e o intermediário só serão responsabilizados “se agirem com dolo”.
Mas, segundo Maria Fernanda, ainda há dúvidas e dificuldades entre os donos de bares e restaurantes:
— Como há muito tempo não se faz essas doações, a gente vê as pessoas tentando entender como isso vai funcionar. Porque não é simplesmente botar numa caixinha e ir. E outra, como faz para ir aqui de dentro do meu restaurante para a entidade?
A logística é o problema relatado pelo gerente do restaurante Via Imperatore, Anderson Muniz de Menezes. Ele afirma que já pensou em aproveitar a nova legislação para fazer uma boa ação, mas o estabelecimento não teria como condições de realizar a entrega.
— A gente quer doar, mas não sabe como vai chegar até eles — relata.
Entenda o decreto
Em 2020, foi criada uma lei federal autorizando o repasse de alimentos que seriam jogados fora, e a Câmara de Porto Alegre aprovou lei municipal na mesma direção em outubro deste ano. A prefeitura acabou fazendo um decreto com mais informações para guiar o empresário.
Com ajuda da coordenadora da unidade de segurança alimentar da Secretaria de Desenvolvimento Social, Carolina Breda, GZH esclarece o novo decreto de Porto Alegre:
Quem pode doar?
O decreto rege a doação de excedentes de alimentos oriundos de cozinhas industriais, restaurantes, padarias, supermercados, bares, feiras de hortigranjeiros, sacolões, mercados populares, centrais de distribuição, indústrias de alimentos e outros estabelecimentos do gênero. Não é preciso pedir autorização para a prefeitura.
O que pode ser doado?
Vale a comida preparada que ficou na cozinha, alimentos não perecíveis, industrializados ou processados que estejam dentro do prazo de validade, além de hortaliças, legumes e frutas que se encontrem em condições de consumo.
O que não pode ser doado?
Não pode ser doado o alimento que foi para a mesa do cliente nem o que foi exposto em balcões de distribuição (bufê).
Em que recipiente pode ser feita a doação?
O decreto não especifica um tipo de recipiente, diz que “o acondicionamento dos alimentos deverá ser em equipamento adequado para a manutenção da temperatura e para o transporte”. Pode ser feita na mesma embalagem que os restaurantes utilizam para a telentrega, como marmita de alumínio ou de isopor — segundo Carolina, esse último material mantém melhor a temperatura. Também pode ser pensado um recipiente para maiores quantidades, acrescenta.
Quais são as especificações relacionadas ao transporte?
O decreto não discrimina qual tipo de veículo deve ser utilizado, então vale carro, caminhão ou caixa da motocicleta, desde que esteja higienizado, e as embalagens, bem calcadas.
Os alimentos quentes devem ser mantidos em a temperatura superior a 60ºC por no máximo seis horas. A temperatura do alimento preparado pode ser reduzida de 60ºC a 10ºC em até duas horas. Já os alimentos frios devem ser mantidos em temperaturas de 4ºC ou menos, conservados por até cinco dias, ou sob refrigeração a temperaturas inferiores a 5ºC ou congelados em temperatura igual ou inferior a -18ºC.
Outra questão importante, justamente para garantir que chegará na temperatura ideal à entidade, é que o transporte não poderá ultrapassar um raio de cinco quilômetros.
Como eu sei quem quer receber meus donativos?
A Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) é quem faz esse cadastro. Até o momento, há cerca de 15 entidades interessadas. Mais informações podem ser obtidas via assessoria de comunicação do órgão, pelo fone (51) 3289-4909.
Quem atesta a qualidade do produto a ser doado?
O decreto determina que o estabelecimento deverá ter em seu quadro de funcionários um responsável técnico com curso de boas práticas de manipulação de alimentos emitido pela Vigilância Sanitária do município — o que já é um requisito para ganhar o alvará.
Esse curso não é ministrado pela Vigilância. Neste link há a relação de instituições homologadas.
"É preciso políticas que sustentem mudanças", diz voluntária
A medida é boa para pensar sobre o desperdício de alimentos, na avaliação de Natália Borges, nutricionista e organizadora do projeto social Morador de Rua Existe na Capital, mas ela opina que precisa ser fiscalizada para evitar qualquer tipo de contaminação.
E ela defende ainda que o Estado não deve utilizar a nova lei como uma estratégia em tirar sua responsabilização frente à obrigação de garantir os direitos sociais, como a alimentação, transferindo à sociedade civil.
— A curto prazo, pode ser uma medida boa pra auxiliar no combate à fome, porém, é preciso políticas que sustentem mudanças e transição da insegurança alimentar ao longo prazo —opina.