O prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, sancionou nesta sexta-feira (19) a lei municipal que autoriza bares e restaurantes a doarem excedentes de alimentos. Na prática, o decreto permite que os alimentos não consumidos e que seriam descartados possam ser aproveitados por instituições de assistência social e pessoas carentes.
Conforme o decreto, estabelecimentos como restaurantes, padarias e centrais de distribuição "ficam autorizados a doar" os excedentes, desde que ainda estejam em condições de consumo humano. As sobras de alimentos de pratos em buffets, por exemplo, não serão consideradas aptas para doação. O texto diz ainda que cada estabelecimento deverá ter um técnico entre os funcionários para avaliar se a comida ainda tem condições de consumo.
Existe uma lei federal, de junho de 2020, que autoriza a doação de alimentos que seriam jogados fora. Em Porto Alegre, duas vereadoras tomaram iniciativas na mesma direção. Um projeto de autoria da vereadora Fernanda Barth (PRTB) sobre o tema foi aprovado pela Câmara em outubro.
— O projeto municipal é diferente do federal porque regulamenta o transporte do doador até o receptor do alimento. O transporte é todo especializado, com caixa térmica. A nossa preocupação com o projeto é evitar a burocracia — explica Fernanda.
De outro lado, a vereadora Mônica Leal (PP) afirma que a Câmara de Porto Alegre não pode legislar sobre uma lei federal que já existe. Mônica alega que a lei aprovada na Câmara é inconstitucional. Por isso, a vereadora do PP diz que sugeriu a Melo a edição de um decreto permitindo o aproveitamento de alimentos.
— A pessoa que tem restaurante vai poder doar de forma tranquila. No momento que ela doa o alimento para a instituição, a responsabilidade é da instituição — exemplifica Mônica, citando a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) como receptora de doações.
No setor de alimentação, o entendimento é oposto. O presidente do Sindicato de Hospedagem e Alimentação de Porto Alegre e Região (Sindha), Henry Chmelnitsky, avalia que o decreto não garante segurança jurídica para os estabelecimentos porque é "genérico" deixa vários pontos em aberto. Chmelnitsky reconhece o problema grave da fome no país, mas afirma que é necessário observar os cuidados básicos com a saúde.
— O decreto não é claro o suficiente. Quando vence esse produto? Como ele vai ser transportado? Quem vai entregar? Que tipo de fiscalização vai ter? E quando acontecer de alguém pegar uma virose pelo mau transporte o que acontece? — questiona.
O decreto municipal diz que o doador de alimentos e o intermediário "só serão responsabilizados nas esferas civil e administrativa por danos causados pelos alimentos doados se agirem com dolo". O texto também estabelece que veículo que fará o transporte dos alimentos "deverá ser higienizado, com proteção de carga e o transporte não poderá ultrapassar a um raio de 5 quilômetros".
"Em todas as etapas do processo de doação do alimento, desde a produção, transporte, armazenamento, distribuição e consumo, às entidades doadoras, intermediárias e receptoras nos termos deste Decreto, deverão seguir parâmetros e critérios nacionais e internacionais reconhecidamente garantidoras da segurança alimentar e nutricional", diz a norma municipal.
Após a publicação da coluna, o Ministério Público estadual enviou um esclarecimento sobre o tema. Conforme a promotora Cinara Vianna Dutra Braga, que esteve no ato da assinatura do decreto, o proprietário de estabelecimento comercial só será responsabilizado se "tiver a intenção de causar mal à saúde de alguém por meio do alimento doado".
"A responsabilidade do doador cessa com a entrega ao intermediário, por exemplo, o supermercado que entrega para o Banco de Alimentos ou para o Mesa Brasil, ou o restaurante que entrega para a Instituição que, por sua vez, fará a entrega ao consumidor final. De qualquer sorte, só será devida reparação por doação que cause mal à saúde de alguém se for comprovada esta intenção", diz a promotora.