Quem conhece os bairros Espírito Santo e Guarujá, na zona sul de Porto Alegre, possivelmente já viu ou ouviu alguma história sobre as 42 cabanas que eram para ter sido um motel. Elas fizeram parte de um projeto elaborado pelo empresário Dawid Jozef Kapel ainda na década de 1960, mas nunca entraram em atividade. Há quem diga que uma maldição impediu o funcionamento. Outros afirmam que o negócio não prosperou devido a uma promessa.
Acompanhando o crescimento do bairro, a família do empresário já ouviu muitas dessas histórias. A mais conhecida é de que a inauguração nunca ocorreu porque Kapel teria feito uma promessa de que pararia a obra se a sua filha se recuperasse de uma doença grave. O detalhe, que diverte a família, é que Dawid teve três filhos, nenhuma menina.
— Eu escuto cada uma conversando com os vizinhos. Já me disseram que o motel nunca abriu porque foi amaldiçoado por estar ao lado de uma igreja. Só que a igreja surgiu muito depois, quando já estavam construindo aqui — revela, aos risos, Rosane Slodkowski, nora de Dawid, que inclusive encaminhou para GZH a sugestão para contarmos essa história.
Com estruturas que eram consideradas inovadoras, o motel construído em frente à Avenida Juca Batista tinha um conceito americano. A ideia era que as famílias que estivessem de passagem pela Capital pudessem escolher uma das cabanas, ou mesmo os apartamentos instalados nos fundos da propriedade, para passar a noite.
Proprietário de uma fábrica de móveis localizada na área central, Kapel utilizava os lucros da empresa para realizar a construção. Após a compra do terreno, em 1965, o empresário levou em torno de três anos para terminar de erguer o muro que cerca a propriedade. Depois, começaram as obras das cabanas.
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A escolha de materiais de alto padrão – como o mármore instalado nas garagens das 42 cabanas e o carpete que seria colocado nas unidades, importado do Canadá – acabaram encarecendo demais a obra. Em 2005, aos 70 anos, o empresário acabou falecendo vítima de um câncer. A construção ainda não havia sido finalizada, e os três filhos, ao fazerem o levantamento dos custos para terminar os trabalhos, decidiram interromper a obra.
Vivendo no motel
Um dos filhos, Uzi Kapel, acompanhou desde criança o desenvolvimento do projeto, e, em 1997, passou a morar no local com a família – a esposa Rosane Slodkowski e os dois filhos, Dawid e Jonathan.
— Meu pai tinha uma visão muito para frente das coisas. Ele fez todo o encanamento subterrâneo, instalou uma cisterna para aproveitar água da chuva, instalou placas solares, tudo isso na década de 1980. Infelizmente, acabou ficando muito caro e não conseguimos finalizar — revela Uzi. — Quando contamos para as pessoas onde moramos, elas não acreditam, tenho que convidá-las para vir aqui. Para nós viver aqui é muito legal, eu adoro viver aqui — completa.
Apesar de não cumprir a missão original de receber famílias, o motel garante a diversão da família Kapel. Rosane se diverte ao contar os amigos que vive na “suíte presidencial”, localizada na maior cabana da propriedade e que seria usada na recepção aos visitantes. Ela também revela as “aventuras” que cria com os filhos.
— As crianças amam ir até lá em cima e correr por tudo, pois é uma área muito grande. Quando os amiguinhos vêm, é uma grande festa. No inverno, nos divertimos muito, pois baixa um nevoeiro no final da tarde. Eu pego o carro e subo com eles, nós brincamos de que estamos em um filme de suspense, eles adoram — conta.
Há alguns anos, Uzi e os irmãos tentaram vender a propriedade. Mas nunca houve avanço nas negociações.