No alto do Morro do Osso e cercado por residências está localizado um dos menores e mais desconhecidos cemitérios da Capital. Quem o encontra, escondido na Rua Liberal, tem uma surpresa. Mas descobre que o Cemitério da Tristeza, construído em 1898 na região do Sétimo Céu, abriga as sepulturas dos primeiros habitantes da região e faz parte da história de Porto Alegre.
A criação da necrópole, na época em um território bem afastado das propriedades, foi motivada pela necessidade dos imigrantes italianos e alemães de enterrarem seus entes queridos em melhores condições, já que muitos morriam enquanto estavam alojados no que era conhecido como a Hospedaria do Imigrante, localizada no bairro Cristal. O espaço servia de rota de passagem, mas muitos acabavam não resistindo à longa viagem para a chegar a Porto Alegre.
Com o tempo, muitos imigrantes que eram despachados para Interior retornavam, enquanto outros decidiam seguir na região, o que levou ao crescimento do bairro Tristeza, mas sem que nenhuma construção se instalasse próximo ao cemitério.
Conforme o livro Revelando a Tristeza, de Roberto Pellin, os registros apontam que o primeiro livro de óbitos foi feito no mesmo ano da abertura do cemitério, mas apenas um enterro ocorreu. Depois, as cerimônias chegaram a uma média de cem ao longo de um ano. Até o antigo proprietário do terreno onde o cemitério foi instalado está enterrado no local. Guilherme Ferreira de Abreu, considerado o fundador do bairro Tristeza, morreu em 1902, e até hoje é possível visitar a sua sepultura.
A região que viria ser a Tristeza começou a ganhar moradores em 1895, quando as famílias mais abonadas do centro da cidade e os imigrantes seguiam para a Zona Sul em busca das terras férteis e das águas do Guaíba para se refrescar no verão.
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— Os imigrantes viram que aquele local poderia ser mais vantajoso que seguir para o Interior. Eles iam para construir as casas das famílias mais ricas e depois montavam as suas residências. A Tristeza virou um balneário, e isso só foi mudar em 1930, quando as pessoas descobriram o Litoral, embora demorassem uma semana para chegar — revela a historiadora Hilda Flores.
Novos espaços
Com o passar dos anos, a necrópole acabou ganhando vizinhos. Em 1915, foi inaugurado o Cemitério da Brigada Militar, localizado em anexo ao Cemitério Municipal da Tristeza e que abriga, atualmente, nove jazigos ainda visíveis. No entanto, permanecem apenas as estruturas, pois, conforme a corporação, os restos mortais dos policiais que estavam enterrados ali já foram removidos.
A última cerimônia realizada pela Brigada no local foi em 2004, em uma homenagem aos policiais militares que morreram em serviço. A corporação está em tratativas com a prefeitura para que o espaço possa ser integrado ao Cemitério da Tristeza. Até o momento, não há uma previsão de quando irá ocorrer essa mudança.
Acredito que muitas famílias não sabem que possuem parentes enterrados aqui
ALEXSANDRO COSTA
Chefe da equipe de Necrópoles da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade
Em 1932, o Centro Israelita de Porto Alegre inaugurou sua necrópole no terreno ao lado. Em 1938, já precisando de mais espaço, o Cemitério Municipal ganhou um anexo no espaço aos fundos do Israelita.
O local passou a ser chamado Cemitério Municipal da Tristeza a partir de 1954, quando o Estado repassou a gestão à prefeitura da Capital. Atualmente, não há mais espaços disponíveis e só podem realizar enterros as famílias que já possuem algum dos cerca de 600 jazigos.
Se há um século as cerimônias fúnebres eram rotina na região, hoje são raras. A média é de um sepultamento por ano.
— O último enterro que tivemos foi há quatro meses, e poucas pessoas vão ao cemitério para visitas, acontece mais na época de Finados. Muita gente vem em busca do registro de óbito dos antepassados para ajudar no pedido de cidadania. Acredito que muitas famílias não sabem que possuem parentes enterrados aqui — relata o chefe da equipe de Necrópoles da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, Alexsandro Costa.
Convivência com os vizinhos
Para garantir a limpeza e a manutenção, a prefeitura mantém um zelador no cemitério durante o período de funcionamento. Há pouco mais de um ano, o serviço é feito por João Batista dos Santos Araújo. Assim como muitos habitantes da Capital, ele, até pouco tempo, não sabia da existência do Cemitério da Tristeza. Para ele, trata-se de um lugar tranquilo e sem dificuldades para trabalhar.
Tem gente que quando chega perto do cemitério atravessa a rua e vai para outra calçada. Teve uma vez que o pessoal veio fazer a poda de uma árvore e um dos funcionários acabou caindo dentro de uma sepultura. Ele não quis mais trabalhar e sumiu
JOÃO BATISTA DOS SANTOS ARAÚJO
Zelador do Cemitério da Tristeza
— Tem gente que quando chega perto do cemitério atravessa a rua e vai para outra calçada. Teve uma vez que o pessoal veio fazer a poda de uma árvore e um dos funcionários acabou caindo dentro de uma sepultura. Ele não quis mais trabalhar e sumiu. Sabe, eu não tenho medo dos mortos, só dos vivos — diverte-se Araújo.
Enquanto há moradores do bairro que passam com certo receio pelo cemitério, outros demonstram interesse pelo caso, como Luis Emílio Stricher Palmeiro e Marcelo Barison, que sugeriram o assunto para GZH. Já alguns que acompanharam o crescimento da região guardam boas lembranças do Sétimo Céu. É o caso do empresário Gustav Potter, que viveu por cerca de 20 anos em uma casa na Rua Professor Padre Gomes.
Conforme Potter, até a década de 1990, poucas construções eram erguidas nas imediações do morro. Somente o terreno da família tinha cerca de cinco hectares. Na residência, ele recorda das aventuras vividas com os amigos – como quando construiu um barco pirata com a lenha que o pai usaria para aquecer a casa e os lençóis da família, andar de bicicleta pela região e passar pelo cemitério municipal com alguma frequência.
— Nós andávamos por ali de bicicleta e nunca tivemos medo, era tranquilo. Ouvíamos uns boatos de fantasmas, mas era bobagem. Mas claro que à noite ninguém passava — brinca Gustav.