A maior parte da prainha de Copacabana, no bairro Belém Novo, na zona sul de Porto Alegre, em breve será ocupada para a construção de uma Estação de Bombeamento de Água Bruta (EBAB) planejada pelo Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) para começar a ser construída no ano que vem. A estrutura é uma das 12 obras que serão feitas para implementar o novo Sistema de Abastecimento de Água (SAA) Ponta do Arado, que conta com investimento de R$ 250 milhões e promete melhorar o fornecimento de água nas zonas sul, extremo sul e leste da Capital, conforme explica o diretor-geral do Dmae, Alexandre Garcia:
— É uma obra indispensável porque vivemos há anos com um déficit de abastecimento nessas regiões. A única solução para esse problema é ampliação do serviço, pensando inclusive em possibilitar todo o crescimento futuro que está previsto para a região, que só nos últimos 10 anos mais do que dobrou de tamanho.
De um lado, há a prefeitura buscando solucionar um problema que afeta milhares de porto-alegrenses todos os anos, principalmente no verão. É uma época em que, devido ao alto consumo, não há tratamento suficiente para a demanda e daí começa a faltar água. Do outro, há o impacto no modo de viver de moradores e frequentadores da prainha de Copacabana que não querem perder o local que lhes serve de lazer e sustento.
A EBAB terá cerca de 45 metros de comprimento por 20 de largura e ocupará a maior parte da faixa de areia da praia e o espaço onde hoje há um parquinho infantil e uma quadra de futebol de areia. De acordo com o projeto, restará um trecho de aproximadamente 15 metros de areia entre a estação de bombeamento e uma galeria de água pluvial já existente no local (veja no mapa). Este será o único local onde a população vai dispor de uma faixa mais ampla de terreno para acessar o Guaíba. No momento, porém, o trecho está coberto de vegetação em sua maior parte. Também haverá uma estreita faixa de areia entre a estação e o Guaíba, mas a possibilidade de acessar a água por ali vai variar conforme o nível do manancial.
O Dmae informa que foram feitos estudos e que todas as obras do novo sistema estão ambientalmente licenciadas. A licitação da EBAB da praia de Copacabana está em andamento, com quatro interessados, e a previsão é de que as obras sejam iniciadas em 2022, com duração de 18 meses. A estrutura receberá água vinda de uma tubulação que avança 2 mil metros Guaíba adentro, no intuito de captar água de qualidade e em um ponto mais profundo.
A EBAB enviará água para dentro de uma estação de tratamento que ficará na Fazenda do Arado, licitada em R$ 87 milhões — esta já está em construção e terá capacidade para tratar 4 mil litros de água por segundo, quando finalizada. A nova estação na praia de Copacabana ficará ao lado de uma EBAB do Dmae já existente no local, uma estrutura de menor porte e que integra um sistema com capacidade para tratar mil litros de água por segundo.
Comunidade não quer perder a praia
A prainha de Copacabana é de pequena extensão e tem pouca infraestrutura, mas é adorada pela comunidade que se formou no seu entorno. A construção tomará o espaço que hoje é ocupado pela praia, pela quadra de futebol de areia e pela pracinha, que conta com a manutenção dos moradores e tem balanços e gangorras para as crianças. Rosemar Soares da Rosa, 54 anos, mora em frente à prainha há duas décadas, onde vive da pesca de pintado, piava, jundiá e grumatã.
— Ninguém nos falou nada da construção. Começamos a ver movimento de pessoal aqui, colocando estacas, trazendo materiais, até que fomos perguntando ao redor e descobrimos o que ia acontecer. Aqui tem figueiras centenárias, vento, praia, tem um parquinho sempre cheio de crianças. É lastimável. Vai ser um prejuízo para toda a população daqui — afirma Rosemar.
Ele também está preocupado com o pouco espaço que vai sobrar para chegar até a água com seu barco e com as limitações para receber consumidores, que costumam ir até a praia de carro para comprar peixes recém-pescados.
— De um jeito ou de outro, eu vou ter que acessar o Guaíba, tenho que sobreviver. Eles terão que nos dar alguma alternativa, nem que seja construir algum tipo de rampa para carga e descarga dos barcos — afirma Rosemar.
Quem chega à praia passa obrigatoriamente pelo bar e minimercado Copacabana, administrado por Rodrigo Joaquim Lacerda, 39, e sua família. Morador da região há 30 anos, ele teme pelo impacto na qualidade de vida da comunidade e na sua atividade comercial.
— Ninguém que mora aqui quer isso, é horrível, vai tirar o lazer do pobre. Nós já temos umas 60 assinaturas em um abaixo-assinado que estamos fazendo contra isso. Isso vai mudar toda a nossa vida, quem é que vai querer vir aqui com esse elefante branco ali? Eu não sou contra a obra, mas há tantos lugares para fazer, por que tirar logo a nossa praia? — pergunta Rodrigo.
Questionado sobre o motivo de construir naquele local específico, o diretor-geral do Dmae relata que a decisão foi tomada levando em consideração aspectos ambientais, econômicos e legais.
— É ali o ponto de outorga que temos para a tubulação da captação de água do Guaíba. Tecnicamente e geograficamente, é o ponto mais interessante, pois é o de menor custo. E é também onde se tem menor impacto ambiental porque não é preciso suprimir árvores. Diferentemente das ruínas do Poleto, é também um local que não tem interesse histórico — afirma Alexandre.
As pessoas que moram mais perto da praia reclamam de não terem sido avisadas ou convidadas a participar de discussões sobre um tema que vai ter forte impacto sobre o seu dia-a-dia. Tanto Rodrigo como Rosemar não são contra a iniciativa de assegurar o fornecimento de água de boa qualidade para a população, mas desejam que o projeto seja feito em outra área.
Uma associação de moradores da região, a Preserva Belém Novo, tem divulgado materiais e promovido ações de oposição à execução da obra na prainha de Copacabana. Uma das participantes da associação é Michele Rihan, que também é conselheira local de saúde da Unidade de Saúde Belém Novo. Ela conta que o diálogo com o poder público é difícil e que as reuniões que tem sido feitas pelo Dmae com moradores são mal divulgadas, abrangem poucas pessoas e não dão espaço para as demandas da comunidade.
— Foi em setembro que houve uma reunião em que explicaram sobre a nova estação na praia de Copacabana, e só então ficamos sabendo que vai ser devolvido um acesso para a água de 15 metros, que, no meu ponto de vista, nada mais é do que um corredor. Vão acabar com a praia. É um lugar com pouca manutenção e moradias irregulares, mas muito importante para as pessoas que fizeram vida ali há muitos anos. Ali se tem uma vista bonita da orla e espaço para caminhar, não queremos perdê-lo — afirma Michele.
De acordo com o Dmae, o impacto à vida dessas pessoas é inevitável pelo bem da construção do novo sistema de abastecimento, mas algumas contrapartidas serão feitas à região.
— Essa obra está sendo pensada desde 2015 e está madura do ponto de vista técnico. Sabemos que vai impactar muito a população pelo tamanho da obra, mas prevemos ações para mitigar os impactos, como a melhora da praça Almerindo Lima, que será revitalizada por meio de um aporte de R$ 1 milhão à Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade. Também haverá a pavimentação da rua Heitor Viêra, ao final da obra de instalação de tubulação de água bruta na via — afirma Alexandre.
A população deve poder aproveitar a prainha de Copacabana ainda neste verão, já que ela deverá permanecer aberta até o início das obras, previsto para 2022. Durante a construção da EBAB, no entanto, o acesso à praia será completamente fechado, pois serão feitas escavações. Finalizada a obra, o público terá um espaço pequeno de praia para usar, mas voltará a ter acesso.
Outro ponto de Belém Novo também está sendo limitado por conta das obras do novo sistema de abastecimento: atualmente, boa parte da praia Leblon, que fica junto à praça Almerindo Lima e às ruínas do antigo restaurante Poleto, está cercada. Isso porque está servindo como canteiro de obras para os trabalhos de soldagem da tubulação que posteriormente levará água do meio do Guaíba à prainha de Copacabana. O Dmae informa que esse cercamento é provisório e que a praia do Leblon será liberada ainda no primeiro semestre de 2022.
Com a conclusão do SAA Ponta do Arado, prevista para 2024, 20 bairros devem ser beneficiados pela nova rede de água: Agronomia, Lomba do Pinheiro, Cascata, Belém Velho, Restinga, Pitinga, Lageado, São Caetano, Extrema, Lami, Boa Vista do Sul, Belém Novo, Ponta Grossa, Chapéu do Sol, Hípica, Aberta dos Morros. Espírito Santo, Campo Novo, Ipanema, Vila Nova.