A lição é da diretora da ONG Centro de Inteligência Urbana de Porto Alegre (Ciaupoa), Tânia Pires:
— Não adianta os alunos estudarem ao lado de enormes placas solares se eles não souberem para que elas servem. O maior ganho não é na conta de luz, é na consciência da comunidade.
É com esse pensamento que duas escolas municipais do Morro da Cruz, na zona leste de Porto Alegre, receberam, no final de julho, placas fotovoltaicas para captar luz solar e transformá-la em energia elétrica e biodigestores para converter lixo orgânico em fertilizantes para uma horta comunitária e em gás para alimentar as próprias cozinhas. As escolas escolhidas foram a Emef Professora Judith Macedo de Araújo e a Emef Morro da Cruz – além de um CTG da mesma comunidade.
A iniciativa é parte do projeto Morro da Cruz Circular e recebe financiamento internacional do Google e da ONG Iclei (Governos Locais pela Sustentabilidade, na sigla em inglês). Escolas de Porto Alegre e de Curitiba foram contempladas para o estudo, que envolve ainda um diagnóstico completo do consumo das instituições, da água das torneiras ao lápis apontado, trabalho feito com auxílio de uma ONG holandesa.
— São mais de 90 itens estudados. Os primeiros dados levantados já são surpreendentes. Descobrimos, por exemplo, que a escola consumiu em 2019 o equivalente a três piscinas olímpicas de água — conta Gislaine Coutinho, diretora da Judith, apelido da escola que atende 1.082 alunos de Ensino Fundamental.
A instalação das placas e do biodigestor deverá resultar em redução de 70% na conta de luz e em duas horas diárias de gás para a cozinha, respectivamente. A conscientização e integração das crianças nos processos sustentáveis encontraram uma instituição já habituadas a boas práticas ambientais. Desde o início dos anos 2000, a Judith mantém vivo e ativo o seu Laboratório de Inteligência do Ambiente Urbano (Liau), que foi implementado na rede municipal de Porto Alegre como um desdobramento acadêmico a partir da publicação do Atlas de Porto Alegre de 1998.
Há 11 anos, o Morro da Cruz ganhou ainda a companhia do Ciaupoa, organização focada em fazer a ponte entre instituições ou projetos voltados à sustentabilidade e a comunidade rural onde vivem mais de 50 mil porto-alegrenses. Tânia vê na comunidade e em sua localização um dos grandes trunfos de Porto Alegre para o futuro:
— Somente duas capitais brasileiras ainda têm uma zona rural: Palmas, no Tocantins, e Porto Alegre. É um privilégio termos onde testar, para depois replicar, as iniciativas que desenvolvemos aqui, como o cultivo de sementes orgânicas e esta, agora, relacionada ao consumo de energia.
Além de formar estudantes conscientes, Tânia espera que os dados levantados em escolas como a Judith e a Morro da Cruz, “constranjam positivamente” prefeitos a apostarem no modelo energético. Tanto pela economia na conta de luz quanto pelo bom exemplo.
— As comunidades carentes não têm condições de ter uma placa voltaica em casa, mas é fundamental que eles saibam que ela existe e que cobrem do poder público que a implementem como política pública — resume.