Uma pesquisa da UFRGS detalhou de forma inédita a contaminação do Arroio Dilúvio por metais potencialmente tóxicos, como zinco, chumbo, cromo, níquel e cobre. O trabalho foi embasado na análise de sedimentos, ou seja, das partículas sólidas que há no fundo do arroio e nos bancos de areia, coletados em 15 pontos dos quase 18 quilômetros de extensão do arroio.
O estudo do Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo da universidade (PPGCS) fez parte do mestrado do engenheiro agrônomo Vinícius Maggioni dos Santos. Para a coleta, foi usada uma draga Eckman — um pequeno dispositivo amarrado a uma corda — que foi lançada das pontes do Dilúvio para para recolher o sedimento.
Os pesquisadores confirmaram que já há metais pesados presentes próximos da nascente do arroio, na Barragem da Lomba do Sabão, em Viamão. Isso por causa do esgoto lançado in natura por moradias irregulares.
A poluição do arroio por esses metais, além de elementos orgânicos como carbono, nitrogênio e fósforo, cresce ao longo de sua extensão. Eles são carregados para para o Guaíba, que abastece Porto Alegre.
— Suas fontes são difusas, vêm de vários lugares. Pode vir de desgaste automobilístico, da borracha dos pneus e dos freios, da própria manta asfáltica, da queima da gasolina. Do zinco, isso fica muito claro, aumenta à medida que vai entrando na cidade — relata o pesquisador e integrante do grupo Leonardo Capeleto de Andrade, acrescentando:
— Mas os metais pesados vêm também do esgoto domiciliar, o ser humano dejeta certa quantidade.
Vinícius explica que alguns desses metais são essenciais para nossa saúde, porém em teores bem baixos. Quando sua concentração está acima do teor aceitável, eles podem causar diversas problemas a nossa saúde, que variam entre organismos - entre os principais problemas estão o câncer, insuficiência renal e má formação genética.
— Vale ressaltar que os metais são bioacumulativos, ou seja, eles não sofrem reações químicas que o transformam em substâncias menos tóxicas por exemplo. Então um animal da cadeia trófica que consome esses metais, ele vai concentrando esse metal no seu organismo e quando consumido passará a mesma quantidade que ele absorveu para o outro — destaca o pesquisador.
Plantas
A mesma pesquisa também estudou três espécies de plantas que crescem espontaneamente nos bancos de areia e investigou a viabilidade de usá-las como filtros desses metais. A ideia veio enquanto Santos passava de bicicleta pela ciclovia da Avenida Ipiranga. Para isso, o pesquisador teve que descer até essas “ilhas” no meio do Dilúvio, para colher os vegetais.
Foram estudadas a braquiária, o sorgo e o capim-arroz, e os cientistas constataram que elas acumularam metais, principalmente o zinco, em suas raízes, o que aponta que elas podem atuar como barreiras para os contaminantes, reduzindo a quantidade deles que chega ao Guaíba.
Isso ocorre porque as plantas têm capacidade de absorver elementos - elas precisam, por exemplo, de cobre e zinco em pequenas quantidades. Algumas, quando expostas a altas concentrações de metais, conseguem absorvê-los ou realizar alguma estratégia, como imobilizar o metal na raiz.
A que melhor fez isso, entre as analisadas, é a braquiária.
— Enquanto as braquiárias estão ali nas ilhas, elas estão cumprindo um papel, um "serviço ambiental", de estabilizar aqueles metais e evitar que os peixes se contaminem mais — afirma Tales Tiecher, coorientador de Vinícius e professor do PPGCS.
Mas isso não tira a necessidade de de realizar dragagem, pois o acúmulo de material diminui a vazão do Dilúvio. A sugestão dos pesquisadores é que a prefeitura mantenha algumas das ilhas com vegetais.
Os pesquisadores apontam que uma possível solução para o Dilúvio seria o uso de plantas aquáticas para a descontaminação.
— Existem estudos que utilizam plantas que boiam na água, as macrófitas, colocadas em uma espécie de caixa. De tempos em tempos, recolhe-se a caixa, incinera-se aquela planta, e outra caixa com outra planta é colocada — explica Leonardo.
Seria uma espécie de ecobarreira, mas ele frisa que, para que seja uma solução efetiva, precisaria haver várias delas e com manutenção regular.
Há várias formas de continuar essa pesquisa. Tem outras plantas nessas ilhas ainda não testadas, como a mamona, que talvez apresentem um resultado ainda melhor de purificação — algumas plantas conseguem transportar as substâncias potencialmente tóxicas para a parte aérea da planta (folhas e galhos), sem que isso necessariamente cause dano ao vegetal.
Outra linha de pesquisa de interesse dos cientistas é medir toxidez na própria planta. Mas para isso, ressaltam, é necessário que haja apoio para a pesquisa no país.
— Estamos querendo entender o que está acontecendo com o Dilúvio, está sendo degradado — destaca Tales.
— A gente tem que lembrar que ele é um rio, tem fauna, tem flora. Até a faculdade de agronomia tem mata ciliar. tem peixe, tartaruga, garça — complementa Leonardo.