Envolvida de última hora na discussão sobre um dos mais polêmicos projetos previstos para o Rio Grande do Sul, a comunidade indígena guarani decidiu nesta terça-feira (22) que um posicionamento sobre a intenção de implantar a Mina Guaíba na Região Metropolitana será tomado de forma conjunta por um conselho com todos os 53 caciques dessa etnia do Estado.
O processo de licenciamento da mina de carvão está suspenso pela Justiça Federal em razão da falta de consulta prévia a aldeias localizadas nas proximidades dá área onde seria implantado o empreendimento, entre Charqueadas e Eldorado do Sul, e de análises sobre eventuais impactos sobre essas comunidades no estudo ambiental (EIA-Rima).
A área que seria utilizada para a extração de carvão, areia e brita – e forneceria matéria-prima para um posterior complexo industrial carboquímico – fica a 1,8 quilômetro da aldeia Guajayví (onde foi realizado o encontro, em Charqueadas), a 6,1 quilômetro da área reivindicada Pekuruty e a 6,9 quilômetros da Terra Indígena Arroio do Conde. Desde 2019, o projeto desperta polêmica no Estado porque, embora prometa gerar US$ 4 bilhões em investimentos, tem risco ambiental significativo por ficar localizado a 1,5 quilômetro do Rio Jacuí e a 535 metros do Parque Estadual Delta do Jacuí.
Pela legislação, comunidades indígenas localizadas em áreas de impacto de grandes empreendimentos devem ser previamente consultadas e fazer parte das análises ambientais. Nesta terça-feira, os indígenas estabeleceram o protocolo pelo qual deverão ser abordados quando a empresa retomar o processo de licenciamento.
– Decidimos que, quando a empresa quiser falar conosco, todas as lideranças do Estado deverão ser chamadas. O conselho de 53 caciques é que vai se manifestar. Entendemos que um projeto como esse impacta direta ou indiretamente em toda a cultura guarani – argumenta o cacique da aldeia Guajayví e anfitrião do encontro indígena, Cláudio Acosta.
A definição de um protocolo de consulta, ou seja, a forma como querem ser ouvidos, é uma prerrogativa garantida aos povos indígenas pela legislação. O documento elaborado pelos guaranis deverá servir como referência também para outros casos semelhantes. Até o momento, porém, não há previsão de retomada do licenciamento ou de discussão entre a Copelmi, responsável pelo projeto da Mina Guaíba, e os indígenas.
A assessoria de comunicação da Justiça Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, informou que segue válida a liminar que suspendeu o processo para garantir que os indígenas sejam consultados e contemplados no EIA-Rima. A Copelmi, empresa responsável pelo projeto da mina, informa que aguarda o julgamento na esfera federal, mas diz não ter perspectiva, independentemente da discussão legal, de retomar o licenciamento nesse momento.
– O processo segue parado, e por enquanto não temos previsão de retomada. Houve uma polêmica muito grande envolvendo a questão ambiental – afirma o diretor da Copelmi, Carlos Faria.
A assessoria de imprensa da Fepam informou que o licenciamento se encontra paralisado desde o ano passado a pedido da própria empresa – conforme um ofício com data de 19 de março de 2020. O ofício solicita a interrupção dos prazos para apresentação de informações complementares em razão da suspensão determinada pela Justiça Federal.
Para o licenciamento ser retomado, a empresa precisa fazer a consulta e incluir eventuais impactos sobre os indígenas no estudo ambiental (o que ainda não ocorreu), ou contar com uma eventual reversão da decisão judicial que exigiu essas medidas em caráter, até agora, liminar.
– Embora o projeto da Mina Guaíba tenha sido o fator que levou os indígenas a estabelecer o protocolo de consulta, o documento que será formulado por eles deverá valer para orientar todo tipo de contato por parte de empreendedores ou de governos em casos de projetos que possam trazer impacto a essas comunidades – observa o organizador de campanhas da ONG 350.org no Rio Grande do Sul, Renan Andrade, convidado pelos guaranis para atuar no encontro de lideranças como facilitador do processo de construção do protocolo de consulta.
Possíveis desdobramentos
- A Copelmi realiza a consulta aos indígenas e inclui eventuais impactos sobre eles no estudo de impacto ambiental (EIA-Rima), que deve ser avaliado previamente pela Fundação Nacional do Índio (Funai) antes de ser remetido à Fepam, permitindo a retomada do processo de licenciamento
- O processo segue suspenso à espera do cumprimento das medidas determinadas em caráter liminar pela Justiça federal, pelo menos até o julgamento definitivo
- Uma eventual reversão da decisão liminar permitiria que a empresa retomasse o licenciamento – caso tenha interesse em seguir com o projeto. A Copelmi também precisaria esclarecer pontos da primeira versão do EIA-Rima que foram questionados pelos técnicos da Fepam (leia mais no histórico do licenciamento)
Histórico do licenciamento
2014
Fevereiro
Abertura do processo de licenciamento da Mina Guaíba na Fepam.
2019
Março
É realizada uma primeira audiência pública sobre o empreendimento, em Charqueadas. Outra seria realizada em Eldorado do Sul, no mês de junho, como parte do processo busca da licença.
Agosto
A Fepam solicita que sejam esclarecidos ou aprimorados pelo menos 126 pontos do estudo de impacto ambiental apresentado pelos empreendedores.
2020
Fevereiro
Uma decisão da Justiça Federal suspende o processo de licenciamento na Fepam até que os estudos ambientais feitos pela Copelmi levem em consideração a presença de comunidades indígenas no entorno, e que elas sejam formalmente consultadas sobre o projeto.
Março
Por meio de ofício, a Copelmi solicita a suspensão dos prazos previstos no processo de licenciamento para a apresentação de informações complementares, que incluem os pedidos de esclarecimento feitos pela própria Fepam e as ações solicitadas na liminar da Justiça Federal em relação aos indígenas.
2021
Junho
Mesmo sem contato prévio da Copelmi, indígenas da etnia guarani se reúnem para definir o protocolo de como deverão ser consultados sobre o projeto da Mina Guaíba (e outros semelhantes). A decisão é de que todas as discussões deverão ser feitas por meio de um conselho com todos os 53 caciques do Estado.