Alvo de divergências durante a gestão de Nelson Marchezan, a reforma da previdência dos servidores municipais voltou à pauta como prioridade de Sebastião Melo na largada de seu mandato. Protocolada em regime de urgência, a proposta que altera a Lei Orgânica do município para permitir a mudança nas regras da previdência trancará a pauta dos vereadores a partir de 19 de março.
O projeto altera as idades e tempos de contribuição necessários para que os funcionários públicos municipais possam se aposentar. A medida acompanha movimentos no mesmo sentido feitos nas esferas federal e estadual, que já estipularam novas regras para a previdência.
— Se tem uma lei que vale para todos os brasileiros, tem que valer para o servidor de Porto Alegre também. Ela atende ao regramento nacional, e vai nos um alongamento de caixa — — defendeu o prefeito Sebastião Melo.
A aprovação da matéria irá preparar o terreno para o encaminhamento de outro projeto, mais complexo, que deve esmiuçar as regras de transição. O Executivo estima que, caso aprovadas, as mudanças podem gerar impacto de R$ 103 milhões no primeiro ano. A prefeitura afirma ainda que a reforma contribuirá para a manutenção do equilíbrio fiscal do município — somente em 2021, os gastos com aposentadorias e pensões devem atingir R$ 1,7 bilhão.
O assunto é tão espinhoso que o prefeito dedicou as últimas semanas a reuniões com vereadores, entidades e conselhos representativos dos servidores para falar sobre as mudanças — no começo de março, o assunto deve ser tratado em uma audiência pública. Apesar do empenho da prefeitura em pavimentar o caminho para a aprovação antes que o projeto chegue à plenária, a vitória na Câmara não está garantida.
Além de mexer com os interesses de milhares de servidores, a proposta precisa da adesão de pelo menos dois terços dos 36 parlamentares, em dois turnos, para alterar a lei em vigor. Composta por 10 vereadores, a oposição indicou que deve fechar questão na rejeição ao projeto, o que permitiria ao Executivo um revés de apenas mais dois votos entre os 26 restantes. Líder do governo na Câmara Municipal, o vereador Idenir Cecchim acredita que as conversas do prefeito com as bancadas já criaram condições de aprovar a proposta.
— O prefeito não quer botar a faca no pescoço de ninguém, mas conseguir a aprovação através do diálogo. (Se a votação fosse hoje), provavelmente conseguiria, sobrando dois ou três votos — diz o emedebista, que nos seus cálculos projeta a adesão de vereadores independentes.
Um eventual empecilho aos planos do governo pode ser a pressão da categoria sobre os parlamentares. Nos corredores da Casa, partidos como PDT e PSB, que historicamente têm laços com o funcionalismo, manifestam desconforto em relação a alterações que atinjam os atuais servidores.
Além disso, assim como o Executivo, o Sindicato dos Trabalhadores Municipais de Porto Alegre (Simpa) tem procurado as bancadas. Contrária à proposta, a entidade defende a derrubada do projeto caso vá à votação.
Antes de discutir medidas mais drásticas, como a possibilidade de greve, o sindicato tem uma agenda com o chefe do executivo na quinta-feira (25). A intenção é pedir a retirada do projeto que tramita na Casa — possibilidade já descartada por Melo.
— Não há necessidade (de fazer a reforma). Tivemos o plano de cargos e salários alterado e estamos há quatro anos sem reposição. Entendemos que é o momento de sensibilizar o prefeito para que retire o projeto de tramitação e dialogue conosco — diz Cindi Sandri, diretora de comunicação do Simpa.
Desvinculação da Procempa e incentivo fiscal à tecnologia
Avaliada por governo e oposição como a matéria mais polêmica do Executivo na Casa, a reforma da previdência não deve ser a única a dividir opiniões no primeiro semestre. Também protocolada em regime de urgência, uma proposta que desobriga o município de contratar os serviços da Procempa terá de ser apreciada pelos parlamentares.
Na avaliação de parte dos servidores e de membros da oposição, a desvinculação pode inaugurar um processo de precarização da companhia — que serviria argumento para, no futuro, propor a privatização da Procempa.
— O projeto é inócuo, porque a Procempa já disputa mercado, e é ruim, porque faz com que ela perca patrimônio — avaliou o líder da oposição, Pedro Ruas (PSOL).
Atualmente, os serviços de tecnologia da informação e comunicação do município são executados prioritariamente pela Procempa — se a empresa não tem condições de abraçar a demanda, porém, pode permitir que a prefeitura faça uma contratação externa. O Executivo argumenta que a inversão da lógica dará maior “governança” na hora de escolher os fornecedores.
— A primeira consulta sempre será com a Procempa. Mas, senão tiver como, estamos autorizados a contratar o que o mercado oferece. Tem algum crime nisso? O projeto que venceu a eleição é um projeto desestatizante — disse Sebastião Melo.
Uma terceira proposta do Executivo que tramita na Câmara prevê a criação de um programa que permitirá a redução do Imposto Sobre Serviços (ISS) para que empresas da área de tecnologia e inovação se instalem na Capital. Considerado o menos polêmico dos três projetos, ele não foi protocolado em regime de urgência. Na avaliação do Executivo e do líder do governo, a proposta não deve enfrentar resistência dos parlamentares.
Os projetos
1) Reforma da Previdência (Projeto de Emenda à Lei Orgânica nº 002/20)
O que prevê: altera a idade mínima para aposentadoria para 65 anos (homens) e 62 anos (mulheres) — à exceção dos professores, cuja previsão é 60 e 57 anos —, e o tempo mínimo de contribuição, que passa a ser de 25 anos. Para os atuais servidores, haverá uma regra transitória que prevê pelo menos cinco anos no cargo e a soma da idade com o tempo de contribuição.
Em que pé está: está na ordem do dia e pode ser votado depois da realização da audiência pública, prevista para 11 de março. Tranca a pauta a partir de 19 de março.
O que precisa para ser aprovado: 24 votos, em dois turnos.
Por que o governo considera importante: o Executivo diz que o projeto permitirá um “alargamento de caixa” e contribuirá para a manutenção do equilíbrio fiscal do município. Quais as principais dificuldades: a pressão dos servidores contrários ao projeto sobre os parlamentares, alguns deles de partidos historicamente ligados ao funcionalismo.
2) Desvinculação da Procempa (Projeto de Lei nº 003/21)
O que prevê: desobriga o município de contratar a prestação de serviços de informática, telemática, teleinformática, telecomunicações, assessoramento técnico aos Órgãos da Administração Direta e Indireta da Procempa.
Em que pé está: protocolado em regime de urgência, tranca a pauta a partir de 19 de março.
O que precisa para ser aprovado: maioria simples (metade dos votos mais um, desde que haja quórum mínimo de 19 vereadores)
Por que o governo considera importante: o Executivo defende que a medida trará maior “governança” na escolha dos fornecedores.
Quais as principais dificuldades: parte dos servidores e a oposição avaliam que a mudança pode fragilizar a empresa.
3) Criação do Programa Creative (Projeto de Lei Complementar nº 03/21)
O que prevê: redução do Imposto Sobre Serviços (ISS) para empresas de base tecnológica, instituições de ciência e tecnologia e setores produtivos cujas atividades sejam consideradas tecnológicas ou inovadoras. As empresas que se enquadrarem nos quesitos pagarão uma alíquota de 2% por um período de dez anos, renováveis.
Em que pé está: fase inicial, aguardando parecer da Procuradoria.
O que precisa para ser aprovado: 19 votos.
Por que o governo considera importante: a secretaria da Fazenda acredita que a medida irá melhorar o ambiente de negócios, retendo e atraindo novas empresas para atuar no município.
Quais as principais dificuldades: governo e lideranças não consideram a pauta polêmica, mas dizem que há margem para pequenas alterações que garantam a aprovação da matéria.