Os aplicativos de transporte em Porto Alegre não serão taxados pela prefeitura nos próximos quatros anos. Essa foi uma promessa de campanha do prefeito Sebastião Melo, ratificada nesta quarta-feira (20). O assunto voltou à tona quanto o secretário municipal de Mobilidade Urbana, Luiz Fernando Záchia, disse, em entrevista à Rádio Gaúcha, que defende a tributação de empresas como Uber, 99 e Cabify.
O prefeito afirma que o assunto não está na pauta. A prioridade é discutir a repactuação do contrato assinado com as empresas de ônibus em 2015, criando novas regras para manter o serviço atrativo para as companhias e funcional para os usuários. Caso não haja consenso no tema, Melo não descarta ir à Justiça:
— Tu não podes impor de um lado, nem de outro. As partes têm que conversar. Esse processo está acontecendo, tivemos várias reuniões. Não é fácil. Talvez, talvez, talvez a gente vá buscar uma mediação do Judiciário se não conseguirmos avançar aqui.
Segundo Melo, a prefeitura também vai propor ações para reduzir o custo da tarifa. Entre elas, estão a revisão de gratuidades. A intenção é seguir oferecendo desconto de 50% na tarifa apenas a estudantes de famílias carentes, além de cortar benefícios concedidos a algumas categorias. Outra proposta, derrotada na Câmara de Vereadores ao ser apresentada pelo ex-prefeito Nelson Marchezan, é a extinção gradual do cargo de cobrador.
Melo relata que está disposto a negociar com as companhias que operam as linhas de transporte, inclusive com o aporte de recursos municipais para subsidiar a passagem, mas quer contrapartidas:
— Topo até discutir, para um processo de transição, a questão do dinheiro público. Agora, não topo colocar dinheiro público se eu não repactuar o processo. Preciso enxergar lá na frente uma saída. O que não dá é renovar um processo e colocar dinheiro público em um sistema que não funciona mais.
Assim como seu antecessor, Melo propõe um movimento dos maiores municípios do país, reivindicando subsídios do governo federal para custear parte da passagem. Também defende isenções de impostos na cadeia do transporte, como o incidente na compra de carrocerias, peças e diesel.
Negociação
Gerente de Transporte da Associação dos Transportadores de Passageiros da Capital (ATP), Antônio Augusto Lovato afirma que não há resistência das empresas nas discussões com a prefeitura. Segundo ele, as negociações ainda são incipientes, com apenas um encontro entre as partes.
Ele afirma que é preciso reequilibrar o contrato para evitar que o sistema siga a tendência de degradação observado nos últimos anos. Lovato relata que a idade média da frota está em nova anos, a mais alta desde 1989. Também pontua que, desde a assinatura do contrato, em 2015, houve redução de 20% no número de passageiros. A saída passaria pelo subsídio público:
— Não existe no mundo um sistema de transporte eficiente e de qualidade que seja 100% financiado pelo usuário. No Brasil, há subsídios em várias cidades, como Florianópolis, Curitiba, Belo Horizonte, Campinas e Recife. Grande parte da Europa e da Ásia funciona nesse modelo.
O gerente ainda defende a regulamentação do transporte por aplicativos na cidade, para evitar o desequilíbrio. Segundo ele, não é possível manter o sistema em iguais condições de competitividade com a liberdade usufruída por empresas como Uber, 99 e Cabify.
Confira trechos da entrevista com o prefeito Sebastião Melo
O senhor prevê a criação de alguma taxa para transporte via aplicativo na sua gestão?
Não. O cardápio para resolver a passagem é amargo. Vamos analisar muitas questões. Não descarto a possibilidade de propor revisões em algumas isenções. Outra questão, e estamos trabalhando para construir uma proposta com muito diálogo com os cobradores, é um processo de retirada gradativa mediante uma escola que vá os preparando para outras atividades, como mecânico, motorista. Mas o ponto principal é a repactuação do contrato assinado em 2015. O Brasil era outro e vieram os aplicativos. Então aquele passageiro de perna curta que ajudava a sustentar a passagem não existe mais. Há desequilíbrio nos contratos e a pandemia esgarçou esse processo. Temos motivos suficientes jurídicos e administrativos para propor uma repactuação.
Como seria essa repactuação?
Tu não podes impor de um lado, nem de outro. As partes têm que conversar. Esse processo está acontecendo, tivemos várias reuniões. Não é fácil. Talvez, talvez, talvez a gente vá buscar uma mediação do Judiciário se não conseguirmos avançar aqui. Também pretendo ter uma conversa com o presidente (Jair) Bolsonaro ou ministro da área. Isso não pode ser uma medida de Porto Alegre, tem que ser articulada com a Frente Nacional de Prefeitos. Temos que articular uma maneira de, pelo menos, tirar os impostos da cadeia do ônibus. Hoje não tem ISS (Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza) da Capital. A taxa da EPTC não existe mais. Então não tem mais o que tirar do município. Se o governo do Estado tirasse o ICMS do diesel... Se o governo federal retirasse o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), mantivesse a desoneração das folhas (salariais), tudo diminuiria a passagem.
Quais isenções o senhor alteraria?
O grande carro-chefe são as isenções dos 65 anos, mas aí tem uma questão constitucional e duvido que o Congresso Nacional enfrente esse tema. Eu tenho opinião sobre isso. Acho que para conceder qualquer isenção, em qualquer situação, é por necessidade e não por idade. Uma boa discussão é limitar os estudantes por renda. Acho que o estudante que tem baixa renda tem que ter 50% de desconto. Agora, o estudante que não é de baixa renda tem que arcar com a passagem. Se ele tem condições de bancar uma faculdade particular, não tem porque ter 50%.
Qual seria o ponto de corte para a concessão do benefício?
Vamos discutir o ponto de corte. Outra questão é a Guarda Municipal, por exemplo, que tem isenções. Penso que a gente tem que rever também. São dois exemplos que me saltam neste momento.
Sobre a possibilidade futura de judicializar a repactuação, seria apenas para mediar a discussão?
Isso, se nós não avançarmos entre prefeitura e empresas. A repactuação tem que analisar: ter carros (ônibus) do mesmo tamanho de hoje, o número de passageiros por metro quadrado, a idade da frota, a integração com as lotações, o uso da tecnologia. Há mil coisas que podem ser analisadas. Não pode ter preconceito de discutir tudo. O modelo que está aí não se sustenta mais.
Há resistência por parte das empresas para repactuar?
Topo até discutir, para um processo de transição, a questão do dinheiro público. Agora, não topo colocar dinheiro público se eu não repactuar o processo. Preciso enxergar lá na frente uma saída. O que não dá é renovar um processo e colocar dinheiro público em um sistema que não funciona mais.
O senhor consideraria utilizar dinheiro público através de um Fundo Municipal de Transporte a ser criado?
Hoje é dinheiro do orçamento. O caixa é único.
E se um fundo for criado, o dinheiro para abastecê-lo viria de onde?
Algumas cidades adotam no plano, quando você tem mais adensamento na região com mais população, precisa ter mais transporte, tem uma parte, um valor x, que vai para o fundo de mobilidade urbana. Tem lugares em que vai uma parte da questão do estacionamento. Cidades que adotam o fundo do próprio aplicativo que, no nosso caso, eu não vou aplicar.
No ano passado, foi preciso aportar R$ 72 milhões na Carris. Quando chegar o final deste ano, a companhia vai ter um novo rombo. O que fazer? Pagar de novo ou iniciar processo de privatização antes disso?
Não tenho nenhuma dificuldade em privatizar a Carris, liquidar a Carris. Agora, eu não posso falar nisso sem analisar o conjunto da obra. Já disse ao secretário da Fazenda que ele não está autorizado a repassar à Carris o que vinha sendo repassado. Agora, isso não se resolve em 20 dias de governo.
O senhor vai pedir para o secretário de Mobilidade Urbana, Luiz Fernando Záchia, não mencionar mais a questão da taxação dos aplicativos?
O secretário Záchia é um dos quadros mais qualificados do nosso secretariado. Ele tem o direito de ter opinião como qualquer secretário e colocou a questão do aplicativo como uma das alternativas. Ele tem colocado esse debate interno, e é da riqueza do debate. Muitas pessoas pensam assim. Mas quero dizer que nós saímos das urnas com o compromisso de não taxar aplicativos.