Natural da Romênia, Andreea Pal fez carreira em Frankfurt na Alemanha e já acumulava sete anos de uma dura experiência no aeroporto de São Petersburgo, na Rússia, quando foi convidada pela Fraport a descobrir onde ficava Porto Alegre.
— Me perguntaram se eu topava trocar o frio pelo calor do Brasil — conta a bem-humorada engenheira que foi ao Google Maps percorrer as ruas da cidade de onde, desde 2018, administra os aeroportos Salgado Filho, na Capital, e o Pinto Martins, em Fortaleza (CE).
A administração de ambos passou para as mãos de Fraport após leilão que concedeu quatro aeroportos à iniciativa privada em março de 2017. Pela gestão do Salgado Filho por 25 anos, os alemães desembolsaram R$ 290,5 milhões no pregão e já investiram R$ 1,8 bilhão em obras.
Hoje moradora do bairro Moinhos de Vento, Andreea recebeu GZH na sede administrativa da Fraport, onde ficava o Terminal 2. Em português fluente, falou sobre a difícil remoção das famílias da Vila Nazaré para o loteamento Irmãos Maristas, no bairro Rubem Berta, fundamental para concluir os 5% restantes da obra da ampliação da pista, do impacto da pandemia e elogiou a qualificação dos gaúchos, com uma ressalva:
— Na Rússia, por causa da língua e do excesso de trabalho, não tive nenhum contato com o povo local. A esperança foi aqui, mas também os gaúchos parecem ser um pouco reservados com estrangeiros.
Passados os três primeiros anos sob a administração da Fraport, qual é o seu balanço à frente do Salgado Filho?
Era algo desafiador desde o início. Embora não seja tão duro quanto a Rússia, o prazo que temos para finalizar as obras é curto e as consequências, se não finalizar, dramáticas para a companhia. Definitivamente não esperávamos um processo tão complicado na Vila Nazaré. Isso nos surpreendeu, nos custou e ainda custa muito dinheiro. Ampliamos o Terminal 1, entregamos o prédio do estacionamento e ainda temos um pouco de caixa. Não muito, mas o suficiente para finalizar o Terminal de Cargas Internacional e uma base para os funcionários de manutenção. Nesse ponto de vista, estamos bem. Agora, falta que entre dinheiro (risos).
Além da remoção da Nazaré, algo se mostrou mais desafiador do que você imaginava?
A obra de drenagem que realizamos é algo impressionante que eu nunca havia visto em aeroporto algum. São cinco bacias que equivalem a mais de 400 piscinas olímpicas para coletar a água da chuva e quatro casas de bombas para escoar. Quando estão cheias, leva 16 dias para esvaziar. E 86% dessa água não cai no sítio aeroportuário, vem do restante da cidade. Juridicamente, teríamos margem para não realizar essa obra e ainda exigir que tirassem a água daqui. Mas decidimos realizar uma obra de R$ 170 milhões. São R$ 35 milhões a mais do que a ampliação da pista. Sem ela, brinco que eu recomendaria um hidroavião para aterrissar em Porto Alegre.
Qual foi o principal entrave para a remoção das famílias da Nazaré? Isso melhorou sob a nova administração da prefeitura?
Foi a insistência da municipalidade (prefeitura) para que todos se mudassem para outras casas. Firmamos um contrato de cooperação desde 2018. Nossa responsabilidade foi organizar a mudança. Isso incluiu coisas como transportar os bens, alugar veículos para as famílias visitarem os condomínios. Mas fomos além. Investimos em veículos para a polícia militar, em projetos para postos médicos, creches e comércios no Irmãos Maristas. Já foram gastos R$ 14 milhões, sem contar despesas jurídicas e a demolição das casas.
Alguns moradores relatam que não podem se mudar para o novo local e pedem indenizações. Essa alternativa não foi cogitada?
Mais uma vez, a primeira opção da gestão passada, e me parece que desta também, é garantir aos moradores um lar com dignidade. E falei ao ex-prefeito (Nelson) Marchezan: são imóveis melhores do que o apartamento em que eu vivia quando era jovem.
Com a pista ampliada, praticamente qualquer aeronave conseguiria decolar de Porto Alegre com a carga cheia.
ANDREEA PAL
Presidente da Fraport
Se tudo correr bem, a ampliação da pista se concretiza em 2021. Que oportunidades de crescimento ela propicia ao aeroporto e à cidade?
Com a pista ampliada, praticamente qualquer aeronave conseguiria decolar de Porto Alegre com a carga cheia. Quanto mais pesada, maior precisa ser a pista. Sem a pista, as aeronaves precisam decolar ou com menos carga, com menos pessoas ou com menos querosene, mas sem combustíveis não conseguem chegar até a Europa sem fazer conexões. O voo da TAP (de Lisboa), por exemplo, desembarca com três toneladas de carga, mas decola com 700 kg porque não pode pegar mais. Um dos motivos pelos quais não temos voos diretos aos Estados Unidos e porque não conseguem sair daqui com carga e passageiros. Não chegariam até a Flórida. Com a nova pista, seria possível decolar em Porto Alegre e aterrissar em Riad, na Arábia Saudita.
Isso já representa um gargalo na nossa economia?
Sem dúvida. Estimamos que apenas 25% das cargas que saem do Rio Grande do Sul por via aérea decolem de Porto Alegre. Os outros 75% vão de caminhão até São Paulo. Imagine isso em despesa e tempo desperdiçados.
Já existe perspectiva de novos destinos, sobretudo internacionais, após a ampliação?
Isso depende mais de passageiros e das companhias aéreas do que do aeroporto. Existia demanda para voos a Miami e Orlando, mas em razão da pandemia, paramos de fazer planos. Tenho medo que essas novas mutações do vírus também comecem a se espalhar pelo Brasil e que as pessoas parem de viajar. O número de passageiros foi a 5% do normal em abril e só em dezembro atingiu 50%. Para janeiro, temos previsão de 59% do movimento normal, mas existe a probabilidade de uma nova queda no inverno. Não tenho uma opinião mais.
Quanto a pandemia afeta o planejamento financeiro da Fraport para o restante do período de concessão?
Difícil estimar porque ainda não encerrou. Em comparação a outras empresas, estamos bem. Na Alemanha, se fala em um impacto financeiro comparável a uma Terceira Guerra Mundial. Em 25 anos certamente teremos tempos muito bons. Seguimos comprometidos com o objetivo de transportar mais de 20 milhões de passageiros até o final da concessão. Os valores serão um pouco menores, mas estamos todos nessa situação.
Contratos de aluguel para os espaços comerciais foram afetados?
Sim. Mas hoje apenas o comércio da área internacional está desativado, porque está fechada. Os demais estão abertos. A solução foi reduzir o pagamento proporcional ao percentual de passageiros.
A Fraport fez um investimento forte em Porto Alegre. Qual foi o potencial visto na cidade? O investimento se justificou?
Um aeroporto de Capital, por si só, é atrativo. A proximidade com uma zona turística, como Gramado e Canela, é uma atração adicional. Porto Alegre e o Rio Grande do Sul tem outros atrativos turísticos também, mas tem que desenvolver. Mas como investidor, a gente busca e espera crescimento nos próximos anos.
Não fosse a pandemia, o aeroporto de Porto Alegre já seria um bom negócio?
Não. O essencial para um aeroporto ser financeiramente vantajoso é o número de passageiros. As lojas representam uma renda adicional, mas não é o essencial. Ter pessoas com dinheiro para pagar passagens. Isso, sim, é um indicador de desenvolvimento e de bem estar. No caso do aeroporto, é preciso de um crescimento anual entre 3% e 4% até o final da concessão para justificar o investimento. Turismo é bom, mas desenvolvimento econômico é a chave.