A Câmara Municipal de Porto Alegre sequer tinha banheiro feminino quando Dercy Terezinha Furtado assumiu como a primeira vereadora titular eleita da cidade, em 1973. Foi apenas o primeiro empecilho que a ex-parlamentar, hoje com 93 anos, enfrentaria em sua trajetória política. Ao longo do mandato como vereadora e outros dois como deputada estadual, enfrentou diversas situações de confronto com os colegas por defender os direitos das mulheres – houve, inclusive, uma tentativa de agressão, que revidou com uma bolsada.
– Outra vez, estava discursando na tribuna sobre como as mulheres não precisavam ser empregadas dos maridos, que tinham que ter tempo para cuidar de si, se arrumar e se maquiar, e um colega perguntou: “a senhora quer que minha mulher seja uma prostituta?” – recorda a ex-parlamentar, que conversou com a reportagem por chamada de vídeo da casa onde mora, no bairro Petrópolis.
Veja os principais trechos da entrevista:
A senhora foi a primeira mulher a assumir uma vaga de titular na Câmara, e a única naquela legislatura. Achou que, um dia, veria as mulheres representarem um terço dos parlamentares?
Nunca imaginei que veria 11 mulheres na Câmara. Era tão difícil que hoje me parece fácil. Naquela época, não se pensava em mulher vereadora, deputada. Não tinha nem delegacia da mulher.
Como foi atuar como parlamentar em um ambiente tão masculino?
Era engraçado, porque tinha situações em que eles procuravam a mim. Por exemplo, uma vez o (Paulo) Sant’Ana estava com um problema e precisava colocar um remédio no ouvido. Eu era a única mulher, e ele me pediu ajuda. Mas eles me respeitavam. Me sentia respeitada. Foi muito bom. Acho que abri caminhos.
Como a senhora resolveu entrar para a política?
Eu ajudava pessoas a se elegerem, participava de campanhas. Um dia o doutor Telmo Thompson Flores, que era prefeito, perguntou: “por que tu não concorres?”. Foi aí que eu fui à luta.
Como a senhora vê as condições de vida das mulheres hoje?
Ainda não está direito. Quantos assassinatos ainda ocorrem? Quantas agressões? Ainda tem homem que acha que pode bater em mulher. Pode ter melhorado um pouco, mas a violência não terminou.
Qual a senhora acha que será o reflexo da maior representatividade feminina na Câmara?
Se tivermos mais mulheres, nossas leis serão mais justas. É uma questão de justiça. Mas não adianta ir com pensamento machista… Vi que uma mulher trans foi eleita (uma em Rio Grande e outra em São Borja). Achei muito interessante. Isso representa um mundo, por incrível que pareça, mais cristão. Mais humano.