As mulheres nunca estiveram em número tão expressivo na Câmara Municipal de Porto Alegre quanto vão estar a partir de 2021: 11 das 36 vagas, ou 30,5% das cadeiras serão ocupadas por representantes do sexo feminino. O índice é o maior do Brasil entre as capitais, e também o maior da história das mulheres no parlamento municipal desde que a primeira vereadora, Julieta Battistoli, foi eleita como suplente, em 1947.
Apesar do gênero em comum, não será um quadro homogêneo. Há representantes de diferentes espectros políticos, faixas etárias e etnias (outra mudança significativa, com quatro candidaturas negras). Ainda assim, segundo especialistas, o maior contingente feminino pode ter impacto direto sobre o tipo de pauta que será discutida na próxima legislatura.
– Por toda a formação patriarcal que nós temos, o lugar dos cuidados ainda está muito nas mãos das mulheres. A mulher é quem, em geral, está no dia a dia, então tem a percepção do que pode ser melhorado. Do ponto de vista da política pública, isso dá um olhar muito sofisticado para poder elaborar uma política que não seja distante, abstrata – avalia a cientista política Rosemary Segurado, professora da PUC de São Paulo.
Embora ainda não seja possível estimar o impacto do maior contingente feminino sobre a vida dos porto-alegrenses, os números mostram que a atuação das mulheres na política brasileira tem se refletido em melhorias sociais. Um estudo recente de pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade dos Andes, em Bogotá (Colômbia), e do Banco de Desenvolvimento Interamericano, em Washington (EUA), publicado na revista Health Affairs indicou que, em municípios com prefeitas mulheres, a taxa de mortalidade entre crianças com até cinco ano é menor do que naqueles governados por homens. Nesses locais, a cobertura dos programas Bolsa Família e Estratégia de Saúde da Família é maior. Cruzando dados dos programas, os pesquisadores associam, ainda, a presença de mulheres no Poder Legislativo à melhora no índice de mortalidade.
Questionadas pela reportagem sobre como pretendem atuar no parlamento, as 11 vereadoras eleitas apontaram temas diversos entre suas prioridades, do empreendedorismo à fiscalização de políticas públicas, da educação à saúde pública. Sete delas falaram explicitamente, e de forma espontânea, que pretendem atuar pela igualdade de gênero ou defender políticas voltadas para as mulheres.
Para a coordenadora do Núcleo de Estudos de Identidade e Gênero da UFRGS, Jussara Prá, ainda que nem todas as parlamentares se considerem feministas ou defendam políticas de igualdade, experiências em outras esferas legislativas mostram que é comum surgirem questões suprapartidárias relacionadas a gênero. Um exemplo são as pautas que tratam da violência contra a mulher ou aquelas voltadas a direitos fundamentais, como o acesso das crianças à creche. Ela destaca, ainda, que o percentual mais alto de mulheres atuando na mesma legislatura pode “contaminar” as parlamentares, fazendo com que se mobilizem em torno de temas comuns.
– De acordo com a literatura feminista, 30% é o percentual mínimo para se criar uma massa crítica de mulheres, que acabam contaminando outras. Elas se tornam mais fortes para articular e defender direitos – observa.
Um exemplo recente mostra que os desafios impostos pelo dia a dia no legislativo também podem “despertar” vereadoras para questões de gênero. Alinhada a valores conservadores, Mônica Leal (PP), a caminho do terceiro mandato, tornou-se alvo de parte dos colegas quando atuou como presidente da Casa, em 2019. As interrupções e tentativas de intimidação levaram a parlamentar a classificar publicamente a postura dos parlamentares de machista.
O incremento no número de mulheres na Câmara fez com que Porto Alegre atingisse, pela primeira vez, a mesma proporcionalidade entre eleitas que a cota mínima estipulada por lei para candidaturas femininas, de no mínimo 30% e no máximo 70% para cada gênero. Apesar disso, está aquém da proporção da população brasileira, segundo o IBGE, formada por quase 52% de mulheres.
Para especialistas, o parlamento mais plural acompanhou um movimento observado em outras capitais, e está relacionado a diversos fatores, entre eles, o fortalecimento dos grupos identitários. Por si só, no entanto, não garante que a representatividade feminina vá continuar crescendo nos próximos pleitos.
– A meta é a inclusão total de quem vem sendo excluído, mas o mais realista é perceber a tendência em comparação com o passado, não com o mundo ideal. No caso da representação feminina, é um avanço. Talvez daqui a 10 ou 15 anos isso se manifeste com mais clareza. Tudo vai depender do desempenho das eleitas – diz Maria Tereza Sadek, professora do departamento de ciência política da Universidade São Paulo (USP).
A julgar pelo pleito de 2020, as candidaturas femininas parecem estar atendendo às expectativas do eleitorado. Diferentemente do que ocorreu entre os homens, que tiveram nomes tradicionais fracassando na tentativa de se reeleger, todas as cinco vereadoras da atual legislatura – Cláudia Araújo, Karen Santos, Lourdes Sprenger, Mônica Leal e Comandante Nadia –conseguiram votos suficientes para se manter no parlamento no ano que vem.
Evolução em números
- De 1996 a 2016, 2.032 homens (74,8% do total) concorreram a vereador em Porto Alegre, contra 685 mulheres (25,2%). Eles se elegeram em proporção maior do que elas: representaram, nessas duas décadas, 85,2% dos eleitos.
- No mesmo período, segundo dados da Justiça Eleitoral, as postulantes ao Legislativo Municipal passaram de 59 a 177, um incremento de 200%.
- O ano com mais vereadoras eleitas na Capital foi 2004, quando elas chegaram a 19,4% dos diplomados, ocupando sete cadeiras.