O pedal pesa até o topo da Coronel Lucas de Oliveira. Ao chegar à esquina da Cabral, mais um impulso, e o entregador se põe em pé para alcançar a Casemiro de Abreu. Mesmo a marcha mais leve se torna desconfortável em uma das regiões mais íngremes de Porto Alegre.
Antes da Anita, o ciclista para sobre a calçada e suspira, exausto. Cristiano Luiz Soares de Soares, 33 anos, tem o ânimo restaurado quando retira das costas a imensa mochila alaranjada, desproporcional a sua estatura mediana. Na tampa da sacola que serve de baú, quatro fotografias do filho relembram o motivo de tanto esforço.
– Ele é o meu incentivo. Quando bate o cansaço eu olho para ele e penso: vamos de novo – diz o transportador.
Martim, três anos, é o filho mais novo de Cristiano. O menino tem ainda uma meia-irmã adolescente, por parte de pai. O garoto vive com a mãe, na Restinga, zona sul de Porto Alegre, e vê o entregador aos finais de semana, um acordo entre o casal separado.
– Aí eu busco ele de transporte por aplicativo - afirma, sorridente.
Uma das imagens coladas no tampo da bolsa de transporte mostra o momento relatado: ambos no banco de trás de um automóvel, a caminho do imóvel alugado no Jardim Botânico. Nas demais fotografias, Martim aparece brincando em uma pracinha e com um bastão das cores do time do coração, o Grêmio. A escolha dos registros foi simples: dias em que os dois se divertiram, memórias alegres para reanimar o trabalhador.
A jornada em cima da bicicleta se inicia após um turno de oito horas em uma loja de comércio e serviços de chaveiro, na Medianeira. Sem carro ou moto, o trajeto de ida e volta ao estande também é feito no pedal. Após as 18h, Cristiano aciona o aplicativo de delivery, com o qual receberá as rotas - em média, são percorridos 60 quilômetros por dia, de segunda a segunda. A profissão extra vai até o último chamado, por vezes já na madrugada.
– Eu sempre digo que tem dia que o cara volta cansado. E dia que volta ainda mais cansado. E é sob sol ou chuva. Mas se eu quero ter algo na vida, como a casa que estou financiando lá na Restinga, tem que ir atrás - complementa.
A iniciativa do pai saudoso de seu filho rende elogios no semáforo ou quando estende a bolsa para o cliente retirar a encomenda.
– O pessoal dá parabéns, me diz para não desistir. É ótimo - avalia.
O trabalho que complementa a renda foi iniciado pouco antes da pandemia chegar ao Rio Grande do Sul. Ao ver crescer o número de pedidos, decidiu seguir, e hoje os ganhos superam o salário de chaveiro.
O menino, imóvel no retrato, demanda energia extra nos encontros presenciais. Um dos passatempos favoritos, ironicamente para quem ultrapassou os 300 quilômetros nos dias da semana, é andar de bicicleta. Com o aplicativo desligado.
– Não tem o que pague ficar com ele - finaliza.