A bicicleta de três aros chama atenção pela parafernália atrelada ao quadro. Os olhares mais atentos logo veem que a roda de menor diâmetro, afixada aos raios, fora instalada como uma polia que transfere a força do pedal para a correia de borracha - sistema construído para mover duas pedras de esmeril com espessura distinta.
Toda engenhoca é tocada diariamente por Mateus Dorneles da Silva, 23 anos, amolador de facas desde os 15. O jovem segue a profissão ensinada pelo irmão mais velho, que também atua nas ruas, hoje apenas aos finais de semana. Com parte da população isolada em casa, imposição da pandemia de coronavírus, eles dizem ter dobrado o número de atendimentos em Porto Alegre.
– Antes a gente percorria a cidade e atendia umas cinco, seis pessoas por dia. Hoje são 10, às vezes até 15, porque elas cozinham mais em casa – justifica Mateus.
A chegada à rua é ouvida a distância pelo soar inconfundível da flauta plástica, item vendido pela internet como artigo de colecionador. Morador do Rubem Berta, na Zona Norte, o profissional pedala, em média, uma hora e meia até os bairros em que presta o serviço: cita Bela Vista, Mont’Serrat, Jardim Botânico, Petrópolis, Cidade Baixa e Menino Deus, além de outros de norte a sul.
Para evitar a contaminação dos utensílios domésticos, o afiador limpa as mãos com álcool em gel em frente aos clientes antes de tocar nas peças. Além de facas, o público que busca seus serviços entrega facões, tesouras e alicates – este último item, o mais difícil de ser trabalhado.
– O alicate de cutícula é pequeno demais, tem que ser muito cuidadoso. E algumas tesouras antigas, muito secas, já quebraram. Mas o cliente entendeu que ela tava muito velha – afirma.
A velocidade da pedalada varia conforme a estrutura a ser amolada. Amantes da cutelaria são os clientes mais exigentes, e pedem ao jovem esmero proporcional ao valor do utensílio entregue.
– Já peguei faca banhada a ouro, que o cliente disse valer R$ 10 mil. Me pediu só um fio na ponta. A gente faz como ele quer – relembra com olhar assustado, como deve ter reagido ao saber do preço da faca dourada.
O trabalho em cada peça leva, em média, cinco minutos. Mateus cobra R$ 10 a unidade, negociáveis, dependendo da quantidade de itens.
A profissão "vicia", afirma o amolador, além de proporcionar "prazer ao pedalar" pelos mais variados cantos da cidade. Ele reconhece temor de não ter as mesmas garantias dos trabalhadores com carteira assinada, mas diz conseguir pagar o aluguel e manter a casa com os ganhos de autônomo.
Há sete anos, quando passou a acompanhar o irmão, a concorrência era maior, garante o jovem. Por vezes, quando o canto do instrumento chega em alguns locais, a corrida da vizinhança em direção à bicicleta tem outra intenção, sem lucro, mas igualmente satisfatória.
– Tem gente que me pede para tirar foto, gravar vídeo para um amigo ou só conversar e dizer que lembra da infância ao me ver. Isso também me deixa muito feliz – diz o especialista.
Mateus atende todos os dias, à domicílio, pelo telefone (51) 98501-5640.