Mais peluda e carismática estrela da TV Colosso, Priscila agora ensina a fazer bolinhos de chuva para adoçar a quarentena dos seus seguidores do Instagram, enquanto o vira-lata Gilmar das Candongas grava vídeos para o Youtube com dicas fanfarronas de como passar o tempo — que incluem campeonato de futebol dentro de casa e um tutorial de cochilo no sofá da sala.
Personagens do programa da Globo, que reproduzia uma rede de televisão de cachorros de 1993 a 1997, os dois nunca se aposentaram. E nem os seus criadores: Luiz Ferré, 62 anos, e Beto Dornelles, 58, seguem dedicando a vida a criar e dar vida a bonecos.
Essa história começou em Porto Alegre há 40 anos, com o grupo de teatro de bonecos Cem Modos. Com o “menor espetáculo da Terra” — como prometido nos cartazes afixados pela Capital —, atraíam um público majoritariamente adulto para um tipo de arte em geral relacionada ao infantil.
A pequenos palcos, como o do Espaço IAB, na Rua Professor Annes Dias, eles levavam fantoches e humoradas críticas sociais, políticas e até religiosas. Pedro Girardello, 60 anos, lembra que os bonecos estavam no auge: a série The Muppet Show fazia sucesso na TV, enquanto, no cinema, estreavam produções como E.T.: O Extraterrestre (1982). Estudante de arquitetura na época, ele já tinha interesse em confecção de bonecos e ficou encantado quando assistiu ao grupo no Museu Hipólito da Costa — onde o Cem Modos estreou.
— Era uma coisa tão viva — define Girardello, que se juntou ao grupo na sequência e permaneceu até 1988.
Ao longo da trajetória, o grupo reuniu vários dubladores, manipuladores e roteiristas — alguns, ilustres. O escritor Luis Fernando Verissimo chegou a escrever textos para o Cem Modos, bem como o publicitário Antonio Ferreira da Costa Neto, 62 anos. Ele lembra direitinho do espetáculo preparado para a reinauguração do Theatro São Pedro, em 1984, que ficara mais de uma década fechado pelas condições precárias.
— Escrevi uma peça chamada O Julgamento do Cupim. Nele, iam decidir se o cupim era culpado pelo que aconteceu com o imóvel ou inocente, e o cupim acusava o governo do Estado por descaso. Isso tudo com o governador presente, na plateia. Foi um escândalo — recorda Costa Neto. — A gente era muito jovem e irresponsável.
Já nessa época, os pequenos astros de espuma, tecido e cola ficaram grandes demais para os palcos porto-alegrenses. Ferré, Beto e Pedro viajaram o Brasil com seu espetáculo: foram ao Rio de Janeiro, Curitiba, Brasília, Belo Horizonte e Campo Grande. Acabaram ganhando destaque em veículos nacionais como Estadão, Veja e IstoÉ.
Criaram bonecos para apresentar programas televisivos com Clip Clip (de clipes musicais) e Plunct, Plact, Zuuum, e começaram a faturar com propagandas. Não demorou muito para deixarem de vez o Sul: lotaram uma Kombi com os bonecos e foram de mudança para o Rio de Janeiro, em 1988.
Quatro anos depois, com a saída de Xuxa Meneghel da emissora, Ferré e Beto foram convidados a criar um programa para a Globo. Foi quando surgiu a ideia da TV Colosso, "porque todo mundo gosta de cachorro e de TV":
— Era para ficar quatro meses e durou quatro anos e meio — destaca Ferré.
Fizeram cerca de 40 personagens para o programa, reunindo um punhado de técnicas diferentes. Alguns bonecos tinham as expressões radiocontroladas — por controle remoto —, mas tinha cachorros como a Priscila. Um ator ou atriz veste uma fantasia de dois metros de altura coberta por abundantes camadas de pelo sintético importado de Boston (EUA), onde é fabricado o material para suprir a demanda de Hollywood.
Nessa época, Ferré e Beto montaram no Rio sua oficina de criação de bonecos, ativa até hoje. Você provavelmente viu alguns deles em outros programas, como no Casseta e Planeta — lembra do pitbull que acompanhava o Massaranduba? — e no novo Sítio do Picapau Amarelo (2001 a 2007). A vilã Cuca, o porco Rabicó, o rinoceronte Quindim e o Burro Falante são “filhos” da dupla.
Mas o sucesso da TV Colosso foi imbatível. Tanto que há personagens ainda na ativa, disponíveis para shows e vários tipos de contrato. Recentemente, Ferré e Beto se envolveram em uma série de episódios da Priscila para o Play Kids.
A internet também conta na busca por audiência: Gilmar ganhou o canal no Youtube durante a quarentena, e Priscila se mostra uma influencer nata no Instagram, onde se descreve como "produtora, atriz, modelo - apaixonada por saúde | fitness | moda | beleza | gastronomia".
Beto admite que animação de bonecos perdeu muito terreno nas últimas duas décadas, especialmente para animações digitais. Mas prova que o trabalho "raiz" continua tendo campo de atuação:
— O próprio movimento é diferente. Nossa manipulação se preocupa com a expressividade, e as pessoas reconhecem — finaliza.
A computação gráfica que lute para dar à luz personagens com um fã-clube tão longevo e fiel.