Imagine que você usa as economias de uma vida para comprar a casa própria. Entretanto, a obra nunca termina e se inicia uma luta na Justiça. Para desandar de vez o sonho, famílias que não têm ligação nenhuma com as moradias invadem o local. Todos estes acontecimentos são realidade para os proprietários de apartamentos do condomínio Residencial Sevilla Triana, erguido no bairro Rubem Berta, mas nunca concluído, pois a construtora responsável pela obra abandonou o canteiro.
A entrega deveria ter ocorrido em 2016, mas houve um adiamento de dois anos. Mesmo assim, os prazos não foram cumpridos.
Desde meados de 2017, moradores se organizam como podem para tentar conseguir o espaço que compraram. Em setembro do ano passado, o Diário Gaúcho mostrou a situação do Sevilla e de outros dois condomínios na Região Metropolitana na mesma situação.
Susto
Neste final de semana, os proprietários tomaram outro susto. Cerca de 200 famílias invadiram parte dos 348 apartamentos do local. Não eram pessoas ligadas ao condomínio. Foi um grupo de terceiros organizados que resolveu tomar a propriedade.
Só de comentar o assunto, a encarregada de recrutamento e treinamento Márcia Lisboa, 38 anos, diz se sentir mal. Para ela, ver outras pessoas tomando o sonho que ela ainda não conseguiu realizar gerou uma sensação horrível. No seu caso, o investimento no Sevilla foi o dinheiro de toda uma vida. A rescisão de um emprego, mais o valor de um processo trabalhista e outras economias. Márcia deu todo o dinheiro acumulado na vida e comprou o apartamento à vista, em de 2017.
Hoje, quase três anos depois, ela mora numa casa no bairro Mário Quintana, também na Zona Norte, com os dois filhos: Lucas, 13 anos, e Laura, seis. Mãe solteira, Márcia investiu no Sevilla pela infraestrutura e segurança que o local prometia:
– Eu moro numa área de risco. Me mudar para ali (no Residencial Sevilla) era meu sonho.
Ela tem medo de não recuperar seu dinheiro em razão de não ter feito financiamento através da Caixa Econômica Federal (CEF), como boa parte dos compradores. A compra à vista foi feita com investidores da obra, que tinham uma cota de apartamento. Mesmo assim, Márcia torce para que com a retomada das obras, sua situação se esclareça.
– Até hoje, nunca vi o meu apartamento, nunca entrei nele. Receber uma notícia boa, dizendo que isso vai se ajeitar, seria um grande presente – torce.
Ações e retomada das obras
Quem auxilia Márcia e outros moradores do Sevilla é a advogada Tabata Renata Yokoyama Fritsch, 30 anos. Ela também comprou uma unidade no condomínio em abril de 2014. Sua a ideia era se mudar no mesmo período em que nascesse o primeiro filho, Miguel, hoje com quatro anos. Porém, os atrasos nas obras e, depois, o abandono da construtora acabaram com o planejamento.
Até 2018, morava com o marido, Paulo, 33 anos, na casa de sua sogra, no bairro Parque dos Maias. Em 2018, após 11 anos esperando, ela venceu uma ação na Justiça. A indenização, que poderia ser usada em outras coisas, foi aplicada para dar entrada em outro apartamento, no bairro Sarandi. Atualmente, a família ainda paga as prestações dessa residência.
Entrega
Foi Márcia quem acionou a Caixa depois da invasão ao Sevilla neste final de semana. Ela representa a Associação dos Adquirentes de Imóveis do Empreendimento Residencial Sevilla Triana. Foi por meio do grupo que os moradores conseguiram que a Caixa reassumisse a obra em 2018. E neste ano, uma nova construtora foi licitada pelo banco para concluir os trabalhos. Porém, com a pandemia do coronavírus interrompendo a atividade da construção civil, não há prazo para que as obras recomecem. Se sabe apenas que, retomadas as atividades, serão necessários ainda cerca de 10 meses para entrega do condomínio pronto.
– É um imóvel pelo qual estamos batalhando muito. Espero que a gente consiga retomar as obras logo – deseja Tabata.
Famílias devem sair até quinta-feira
O retorno da Caixa ao pedido dos moradores foi rápido. A liminar concedendo a reintegração de posse saiu ainda na segunda-feira. Na terça-feira (30), no início da manhã, um oficial de Justiça esteve no local e informou que os invasores devem deixar a área em 48 horas – prazo que finda na manhã desta quinta-feira (2). Depois disso, se alguém permanecer, terá sua retirada feita com auxílio da Brigada Militar.