Nos próximos dias, especialistas vão começar a procurar fragmentos da história de Porto Alegre no solo da Praça da Matriz. Iniciadas no mês passado, com previsão de entrega até fevereiro de 2021, as obras de revitalização da área vão possibilitar o primeiro trabalho de arqueologia de que se tem registro no local.
Chamada oficialmente de Praça Marechal Deodoro, a área cercada pelas sedes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário do Rio Grande do Sul — além de Theatro São Pedro e Catedral Metropolitana — é tombada em nível federal. Ela é tão antiga quanto a própria Porto Alegre: quando a cidade foi fundada, no século 18, surgiram também a Praça da Matriz e a da Alfândega, como ressalta o arquiteto Luiz Merino Xavier, da equipe de Coordenação da Memória Cultural do município. A primeira, no alto, representando o poder e a elite, e a praça dos trabalhadores e do comércio em nível mais baixo, junto ao porto.
— Essa era a lógica das cidades portuguesas — acrescenta Xavier.
A medida que forem removidas as pedras portuguesas do calçamento para a requalificação, uma equipe composta por dois arqueólogos e seis assistentes vai vasculhar cada buraco que for feito nas obras e também fazer escavações por conta. Além de procurar por resquícios indígenas, há certa esperança de haver vestígios do primeiro cemitério açoriano de Porto Alegre.
— Há registros de que haveria naquele local um cemitério provisório, deslocado para atrás da antiga igreja da Matriz assim que foi construída — relata Xavier.
Também há expectativa de encontrar o encanamento ou a base do chafariz que distribuía água potável à população no século 19. Nele ficavam originalmente as esculturas em mármore carrara que homenageavam o Guaíba e seus afluentes (Caí, Sinos Gravataí e Jacuí) — hoje, elas estão nos Jardins do Dmae.
A aparência da Praça da Matriz foi mudando ao longo dos seus quase 250 anos. Primeiramente, conta Xavier, era um largo vazio, sem calçamento ou árvores. Na época da construção do Theatro São Pedro, também recebeu seu primeiro ajardinamento, por volta de 1860. Era chamada, então, de Praça Dom Pedro II.
Na virada para o século 20, a praça tem seu traçado novamente modificado para receber um dos maiores monumentos de Porto Alegre, a Júlio de Castilhos. Logo, seria costruído ao lado dela um grande anfiteatro— o primeiro Auditório Araujo Viana, junto a onde fica hoje a Assembleia Legislativa. Tudo isso com uma vista privilegiada do Guaíba, antes da verticalização do centro de Porto Alegre.
Xavier opina que a praça resistiu bem ao tempo, preservada em suas características, mas “castigada”. A requalificação incluirá a renovação de pavimentação, restauro das luminárias históricas e complementação com luminárias contemporâneas, respeitando todas as peculiaridades da área tombada. Também será feita a recuperação e complementação de mobiliário urbano, renovação das redes de energia elétrica e implantação de novo projeto paisagístico.
História da praça será gravada nos tapumes
Equipe da Secretaria Municipal de Cultura está revistando textos e selecionando fotos que devem ser afixados nos tapumes que cercam a Praça da Matriz desde junho. O objetivo é contar um pouco da história da praça para quem passa pelo local e não consegue acompanhar a evolução das obras.
Ao todo, serão investidos R$ 2.568.998 na revitalização, com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Cidades Históricas do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), via Caixa Econômica Federal. A verba está disponível há sete anos, e as obras poderiam ter começado ainda em 2014. Na época, uma empresa chegou a ser escolhida, mas, sem garantias financeiras, não assinou o contrato.
O Monumento a Júlio de Castilhos (inaugurado em outubro de 1914) e a esplanada em que ele se encontra foram restaurados entre 2017 e 2018. Foi investido R$ 1,105 milhão na substituição de materiais degradados, limpeza, reboco, pintura e instalações elétricas nas luminárias.