Representantes de coletivos e movimentos sociais têm cobrado da prefeitura de Porto Alegre, desde o começo da pandemia, medidas mais efetivas para proteger a população de rua do coronavírus. Os pedidos incluem a ampliação da oferta de alimentação, mais acesso a água, sabão, pias e banheiros e espaços para que eles façam quarentena se apresentarem sintomas gripais.
As reivindicações foram encaminhadas por meio de uma carta assinada por 37 entidades, escrita em abril e reencaminhada em maio. Essa última tentativa só foi respondida na semana passada, depois que GaúchaZH questionou a prefeitura a respeito.
Ativistas ainda procuraram o Ministério Público, realizaram uma petição na internet, com mais de 8 mil assinaturas, e chegaram a fazer um grupo no WhatsApp em que adicionaram o telefone que seria do prefeito Nelson Marchezan. Vanessa Andrades Oliveira, integrante do projeto Morador de Rua Existe!, reclama que, até o momento, não viu em Porto Alegre o retorno esperado do poder público.
— A gente está fazendo um trabalho assistencial no meio de uma pandemia, levando comida, a gente está se arriscando. E quem deveria cuidar disso tudo não dá respostas — diz ela.
Veridiana Farias Machado, apoiadora do Movimento Nacional da População de Rua, teme que o número de pessoas na rua cresça em razão da crise gerada pela pandemia. Porto Alegre tinha, segundo um censo realizado em 2016, 2.115 pessoas em situação de rua. Mas o número está subestimado — os coletivos estimam que haja pelo menos 6 mil pessoas nessas condições.
— Todas as atividades que fazem catação ou serviço não formal foram prejudicadas. É lógico que, se essas pessoas não tiverem como se sustentar, vai ter mais gente na rua — acrescenta Veridiana.
Movimentos não ficaram satisfeitos com resposta
A prefeitura de Porto Alegre respondeu à carta de reivindicações na quinta-feira (18), com informações da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc). Segundo o e-mail do Executivo, “as medidas propostas pelo coletivo já foram implementadas pelo poder público, o que tornam prejudicadas as proposições”. Mas os movimentos não ficaram satisfeitos.
Renato Farias dos Santos, ex-diretor da Escola Porto Alegre (referência na educação de moradores de rua) e apoiador do Movimento da População em Situação de Rua, opina que a prefeitura trabalha com a lógica de que o número de sem-teto praticamente não tem aumentado desde o levantamento de 2016, sendo que já são dados defasados.
Em termos de albergues e abrigos, ele acredita que não houve aumento de vagas durante a pandemia, e, sobre a alimentação, garante que o que é oferecido pelo governo não é o suficiente. Nos cálculos dos movimentos, a oferta de duas refeições diárias por pessoa nos sete dias da semana implicaria na necessidade de 88.606 refeições semanais.
Santos acrescenta que os 41 pontos de banheiros e torneiras apontados pela prefeitura são os mesmos que sempre existiram, distribuídos em toda a cidade para uso de toda a população. Para concluir, Renato reclama da falta de precisão do governo municipal:
— Quantas vagas tem em cada albergue? Com a necessidade de distanciamento, diminuíram? Queríamos os números, albergue por albergue.
Sobre as reivindicações dos movimentos e a demora em respondê-las, a reportagem procurou a prefeitura, por meio da Fasc e do gabinete do prefeito, mas não obteve resposta.
As sugestões feitas pelos movimentos e a resposta da prefeitura a eles:
Constituição de espaços de participação entre representantes deste grupo e do poder público de maneira a possibilitar maior articulação e acompanhamento das ações a serem desenvolvidas.
O que diz a Fasc: A participação das Organizações da Sociedade Civil nas políticas públicas já ocorre através dos diversos fóruns de participação coletiva, como, por exemplo, conselhos municipais, comitês, grupos de trabalhos e reuniões ampliadas constituídas pelo poder público para tratar sobre decisões administrativas específicas. Não enxerga justa causa para a constituição de novos espaços de articulação “porque este governo sempre se manteve aberto ao diálogo com a sociedade civil organizada”.
A ampliação da oferta de alimentação
O que diz a Fasc: A respeito da alimentação, a oferta é garantida nas unidades de serviços da assistência social e foi ampliada, em tempos de pandemia, para distribuição de mais de 260 quentinhas por dia em sete endereços que também oferecem higienização. Destacou ainda questões como a distribuição de 18.299 cestas básicas para famílias em situação de vulnerabilidade social e para a população em situação de rua.
Acesso a água, sabão, pias e banheiros
O que diz a Fasc: Já é assegurado pela administração pública em 41 serviços da assistência social e espaços públicos, como parques e praças. Relativo à instalação de pias portáteis na cidade — voluntários tentaram instalá-las pela cidade em abril —, afirma tal demanda já foi objeto de análise e houve manifestação da Secretaria Municipal da Saúde pela não concordância. A Fasc também cobrou: “Se, de um lado, as ações do poder público para a população em situação de rua devem garantir a existência de espaços de proteção, por outro, as ações da sociedade civil organizada em prol desta população devem ser no sentido de encaminhar para os espaços de proteção ou de realizar ações alinhadas e integradas com o poder público. Ações isoladas e pontuais, sejam elas decorrentes do genuíno sentimento de solidariedade ou do populismo assistencial, não atendem às reais necessidades da população em situação de rua e constituem entraves para a efetiva saída das ruas”.
Oferta de espaços protegidos para a população de rua, com garantia de áreas de isolamento para idosos, gestantes, pessoas com doenças crônicas, entre outros grupos vulneráveis, e para quarentena de quem tiver sintomas respiratórios.
O que diz a Fasc: A população em situação de rua conta hoje com 393 vagas em acolhimento institucional da assistência social, além da ampliação do horário de acolhimento nos albergues municipais Acolher 1 e 2, ofertando atendimento 24 horas. A assistência social não contabilizou até a presente data população em situação de rua com a covid-19. Os usuários considerados grupo de risco que utilizam os serviços da assistência social possuem espaços isolados para acolhimento, e outras unidades de isolamento estão sendo planejadas pelo poder público.
Que o restante da população de rua possa ter acesso a espaços protegidos, cuidados em saúde e atendimento às necessidades básicas para a sobrevivência.
O que diz a Fasc: A população em situação de rua nunca foi descuidada pelo poder público, e, desde a implantação do Plano Municipal para Superação da Situação de Rua, as ações em prol dela foram ampliadas. O órgão diz que o morador de rua que desejar acessar os serviços públicos tem o serviço de abordagem social para orientação e encaminhamento, os centros POP, como espaço para alimentação, higiene, lavagem de roupa e entretenimento, os restaurantes populares para alimentação saudável, os albergues para pernoite e os acolhimentos institucionais e os auxílios-moradia para residência fixa. "Contudo, não se pode olvidar que, infelizmente, não é o total de quantitativo populacional acima referido que tem interesse em acessar os serviços públicos socioassistenciais, motivo pelo qual não há que se falar em falta de serviço público", acrescenta.