A prefeitura de Porto Alegre removeu, na noite desta segunda-feira (18), uma banca de livros improvisada que também servia de casa para um morador de rua na Avenida Nilópolis. A estrutura havia sido montada na calçada, entre o Supermercado Nacional e o Bella Vista Plaza, por Paulo Renato Belém Padilha, 57 anos. Mesmo analfabeto, ele comercializava centenas de publicações que recebia por doações e acabou conhecido como “livreiro da Encol”.
A história de Paulo foi contada em janeiro de 2018 pelo colunista Paulo Germano. Já na época, a banca de madeira corria risco de ser demolida pelo Poder Executivo por ser irregular. Um ano depois, reportagem de GaúchaZH mostrou que, graças a um abaixo-assinado feito pela vizinhança, uma liminar impedia a remoção. A ação foi encerrada em março deste ano porque, pela segunda vez, Paulo não compareceu à Justiça em dia de audiência.
Segundo informações da prefeitura, Paulo assinou, em abril, a documentação para receber o benefício de auxílio-moradia ofertado pela Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc). “Essa alternativa vem sendo construída em conjunto com as equipes de Abordagem Social e o Consultório de Rua, que o acompanham sistematicamente há alguns anos”, afirma nota enviada pelo município.
A Secretaria Municipal de de Desenvolvimento Econômico recolheu os livros, lacrou e guardou, com a intenção de devolvê-los a Paulo quando ele tiver a moradia. A Fasc ofereceu acolhimento temporário em um abrigo enquanto tramita o processo do auxílio, mas Paulo não aceitou. O morador de rua acabou dormindo na cancha de bocha da Praça da Encol de segunda para terça-feira.
De acordo com Julio Ritta, um dos coordenadores do projeto Cozinheiros do Bem, os pertences pessoais de Paulo foram levados à garagem de um amigo. Ele também iniciou uma vaquinha virtual para juntar dinheiro para o morador de rua.
Assim como Julio, Vanessa Andrades Oliveira, integrante do projeto Morador De Rua Existe!, esteve na região nesta terça-feira.
— É muito complicado assistir às imagens da barraca sendo derrubada, ainda mais levando em contexto todo a situação de pandemia que a gente vive. A gente pede para as pessoas que fiquem em casa, mas e quem não tem casa? O Paulinho tinha uma barraca, agora não tem nem isso. Essas pessoas precisam ser vistas — diz Vanessa.
Se necessário, o arquiteto aposentado Raul Yuli, 75 anos, tem a intenção de ceder um quarto na sua casa, no bairro Petrópolis, para Paulo, que considera um amigo. Ele disse que a venda de livros era uma forma de o homem “ganhar um dinheirinho” e considerou um absurdo o desmanche da estrutura, que também servia de casa, à noite.
A Fasc nega que a ação ocorreu inteiramente à noite: afirma que foi ao local de manhã para oferecer vaga em abrigo e que à tarde ocorreu o recolhimento dos livros. O desmanche e remoção, por parte do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), acabou ocorrendo no escuro. O órgão também destaca que as equipes de Abordagem Social e o Consultório de Rua acompanham Paulo sistematicamente há anos e já vinham tratando com ele a impossibilidade de permanecer no local. Afirma que, tanto segunda quanto na última sexta-feira (15), foi oferecido suporte. "A ação teve como objetivo ofertar espaço de isolamento social e proteção social em um abrigo, enquanto buscasse locar moradia através de auxílio moradia", destaca.
GaúchaZH esteve na Praça da Encol na tarde desta terça-feira (19). No local onde ficava a banca improvisada, havia uma cadeira e algumas caixas, mas Paulo não foi encontrado.