Às vésperas do Dia dos Namorados, o motel Audace, no bairro Azenha, lançou despretensiosamente uma promoção que incluía suíte com decoração romântica, jantar a dois e pernoite. Como precisava manter um bom número de suítes abertas ao movimento natural da data, comercializou somente 20 reservas. Não só vendeu todas, como vendeu outras 20 no feriado da véspera e outras ainda para o sábado seguinte.
A boa aceitação surpreendeu Saulo Borella, diretor de operações e um dos sócios do Audace, mas vem ao encontro de uma percepção que ele e outros empresários do ramo em Porto Alegre compartilham após dois meses de convivência com o coronavírus: motéis devem se tornar um dos negócios a se beneficiar do chamado “novo normal”, como se espera do mundo nos meses seguintes à pandemia.
— Qual outro programa você pode desfrutar a dois, em um local seguro, higienizado, com privacidade, que o cliente sai da garagem de casa e encontra um jantar servido sem contato direto com nenhuma outra pessoa? Os clientes estão começando a se dar conta de que o motel pode ser uma boa alternativa para quem quer sair da casa, mas ainda não se sente seguro para encarar um bar ou um restaurante de máscara, cheio de gente ao redor — opina o empresário.
Não que os motéis não tenham sentido o impacto da pandemia. Sentiram muito e ainda sentem. Mesmo sem serem obrigados a fechar pelos decretos municipais, todos os empresários relataram queda brusca de movimento entre o final de março e o começo de abril — superior a 50%. O cliente noturno, aquele que ia parar no motel depois de uma passagem por bares da cidade, praticamente desapareceu no primeiro momento. Em outros horários, quando o motel costuma sediar encontros mais furtivos, também houve queda de movimento em razão da recessão econômica, cuidados com a saúde e “obstáculos” da quarentena.
— Com todo mundo em casa, como fugir para encontrar amante? — brinca o Eduardo Augusto Santos, proprietário do Sherwood, no bairro Jardim Botânico.
Qual outro programa você pode desfrutar a dois, em um local seguro, higienizado, com privacidade, que o cliente sai da garagem de casa e encontra um jantar servido sem contato direto com nenhuma outra pessoa?
SAULO BORELLA
sócio do motel Audace
Nas últimas semanas, todavia, o movimento diurno vem voltando ao normal, o que elevou as taxas de ocupação para cerca de 70% do período anterior à pandemia. Enquanto o movimento noturno não volta a crescer, os motéis vêm enfrentando o desafio de trabalhar mais com equipes menores, já que grande parte deles teve de afastar ou demitir funcionários e, ao mesmo tempo, redobrar esforços na limpeza das suítes.
No Sherwood, por exemplo, a limpeza de um quarto que costumava ser feita em cerca de sete minutos, agora exige 20 minutos e os esforços de três funcionários. O álcool ganhou a companhia do peróxido, equipamento de uso de limpeza hospitalar. Em tempos de coronavírus, Santos reitera a máxima de que motel é um ambiente em que “não pode haver um cabelinho”, ou o cliente nunca mais volta. Sérgio Buzzachera, proprietário do motel Vis a Vis, no bairro Cristo Redentor, faz coro:
— As restrições que as pessoas têm aos motéis são preconceito, vêm do imaginário. Asseguro que os motéis de primeira linha são mais limpos e mais seguros para a saúde dos seus clientes do que muitos hotéis de renome por aí.
O empresário é outro que aposta no motel como um negócio promissor no pós-pandemia. Tanto que, como providência recente, Buzzachera adiantou a reforma da fachada do Vis a Vis, que antes da covid-19 seria a última fase das obras em curso no local. A ideia é torná-lo mais sedutor para quem passar por ali.