Mais do que um local para refeições, Flávia Brodbeck, 65 anos, teve de volta o atendimento que a ela sempre foi dispensado. Há décadas, a comerciante aposentada tem na Lancheria Planetário, no bairro Santana, a parada obrigatória ao chegar de Sapiranga, no Vale do Sinos. Paciente do Hospital de Clínicas, o café e o pastel consumidos na calçada em frente à instituição formaram sua sala de espera. Com a permissão da retomada de clientes dentro dos estabelecimentos, nesta quarta-feira (20) ela pôde reencontrar os amigos que trabalham ali.
– Não me apetece outro café. Eu tenho afeição pelo pessoal aqui, é como se fossem da minha família.
No local, parte das mesas e cadeiras foi retirada para respeitar o distanciamento de dois metros exigido em decreto publicado pela prefeitura na noite passada. O proprietário, Cleber Scapini, 36 anos, diz que sem o atendimento presencial, perdeu 90% do faturamento, e teve de suspender o contrato de um terço dos funcionários - que seguiram sendo pagos, mas com 70% da conta ficando a cargo do governo, de acordo com medida provisória publicada em março.
Marcos Marin, 63 anos, seguiu fazendo as refeições no local, mas sentava na calçada. Hoje, pegou uma mesa próximo da porta.
– Bem mais confortável do que sentar no cordão - compara.
Bares e restaurantes do Centro Histórico e do Menino Deus também reabriram, com local para acomodar as pessoas na rua, e distanciamento controlado. A capacidade máxima permitida por decreto, como medida para conter a transmissão do coronavírus, é de 50% do suportado, tendo como base o número exposto no Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI).
No Petrópolis, a lancheria que carrega o nome do bairro reabriu após seis semanas. Em 24 anos, nunca havia ficado tanto tempo sem vender os famosos pastéis. Conhecido popularmente como “o alemão dos pastéis”, Erineu Veren, 58 anos, afirma que estava sendo parado na rua pelos antigos clientes.
– Pessoal me perguntava quando ia reabrir. Ainda bem que a gente é familiar, trabalho só com a esposa e minha cunhada - explica.
Por dia, em torno de 200 pastéis são comercializados no restaurante. As duas cozinheiras usavam máscaras.
Amigos antigos, Roberto Paiva, 57 anos, grita para o empresário da mesa ao lado da janela:
– A gente se conhece há quantos anos, Alemão?
A resposta é incerta: mais de 20, ele acredita.
– Hoje nossos filhos são amigos, e isso começou aqui, onde venho tomar café todos os dias - relembra.
O tempo distante dos amigos incomodou a esposa de Alemão, Inelve Valandro Veren, 54:
– Os boletos não param, né, a gente se preocupa. Mas agora, devagarinho, tudo vai voltar - comemora, enquanto tempera o guisado que recheia os pastéis, saborosos como comprovou a reportagem, na mais fácil apuração jornalística do dia.
Tradicional ponto de encontro no Menino Deus, a padaria e cafeteria Pão da Nona segue com a área de poltronas interditada. De acordo com o proprietário, Nicholas De Conto, 26 anos, o espaço deve voltar a receber clientes a partir de quinta-feira. Com uma trena na mão, o empresário media nesta quarta a distância entre as mesas, que terão a capacidade reduzida a 10% do ofertado antes da pandemia. Para aumentar a segurança, utensílios de vidro não serão mais utilizados.
- Para não expor os clientes e colaboradores, a gente vai servir em copo e talher de plástico - explicou.
O acesso à padaria é controlado por um funcionário, que esguicha álcool em gel nas mãos de fornecedores e clientes que adentrem o comércio.
Mesmo sem assentos no balcão - retirados para manutenção -, o motorista aposentado, Jerônimo Ferreira, 76 anos, retomou um hábito criado há 40 anos: o café preto da padaria Santa Rita, no bairro Azenha.
- Desde que vim morar aqui perto, eu tomo meu café aqui. Tava sentindo falta - confessa, com a xícara na mão e uma expressão de satisfação estampada no rosto.