Motivo de críticas constantes pelos porto-alegrenses, o atendimento em postos de saúde da Capital tem recebido elogios. A mudança de opinião foi provocada por dois fatores: a ampliação no horário de atendimento de parte das unidades e o término das fichas para agendamento de consultas.
A nova realidade ainda não é percebida em toda a cidade. Dos 140 postos de Porto Alegre, 24 têm horário estendido: 14 até as 19h, quatro até as 20h, e seis até as 22h. Desses, 20 passaram das mãos da prefeitura para a administração de instituições sem fins lucrativos devido à extinção do Instituto Municipal da Estratégia da Saúde da Família (Imesf).
Para a dona de casa Marivalda Mota do Prado, 56 anos, que depende da unidade de saúde Diretor Pestana, no Humaitá, na Zona Norte, a mudança foi para melhor.
– Antes, eu precisava chegar às 5h para garantir ficha e, mesmo assim, não conseguia agendar. Agora, posso vir sem marcar que já sou atendida.
Os avanços positivos, segundo o secretário municipal da Saúde, Pablo Stürmer, estão relacionados à lógica implantada nos postos.
– Não podemos mandar embora o usuário. Temos que aproveitar quando o paciente busca atendimento. A porta precisa estar aberta, não faz sentido pedir para voltar outro dia.
O atendimento nas unidades está divido de duas formas: parte do tempo disponível do profissional de saúde (seja médico, dentista ou enfermeiro) é para consulta agendada, e parte para demanda espontânea.
– Não há mais necessidade de pegar ficha. A lógica precisa ser diferente. Queremos levar essa metodologia para todos os postos da Capital – garante Stürmer.
Apesar dos elogios, ainda há relatos de problemas. Na unidade Santo Alfredo, no bairro São José, na zona leste, a desempregada Caroline Beatriz de Mello Saraiva, 26 anos, diz que o serviço está mais demorado.
– Cheguei e tinha três pessoas na minha frente. Passou mais de uma hora e ainda não fui chamada nem para a triagem.
De acordo com Stürmer, as entidades que assumiram esses postos precisam prestar contas à prefeitura, garantindo que estão cumprindo com as metas estabelecidas pela Secretaria Municipal da Saúde (SMS).
– Não são só métricas quantitativas, mas também qualitativas. No primeiro mês em que as unidades começaram a operar dessa forma, o volume de atendimentos cresceu, em média, 56%.
A situação em sete postos com atendimento ampliado na Capital
A reportagem de GaúchaZH circulou por sete dos 24 postos de saúde com atendimento estendido para verificar o que a população está achando do serviço. Confira
US Diretor Pestana: desafio era acabar com a "cultura da ficha"
Das 8h às 22h – Rua Dona Teodora, nº 1016 – Humaitá
- 6 médicos
- 6 enfermeiros
- 8 técnicos de enfermagem
- 3 dentistas
- 3 auxiliares de saúde bucal
- 6 agentes comunitários/endemias
Quem atravessa a grade verde que cerca a unidade de saúde Diretor Pestana, no Humaitá, depara com uma sala de espera pequena e limpa, com cerca de 15 cadeiras para os pacientes aguardarem a chamada. Numa das portas, um cartaz avisa para a falta de vacinas pentavalente e antitetânica. Em um dos lados, fica a recepção, com dois guichês de atendimento e mais uma janela-balcão, identificada com a placa "Farmácia". Ali, a população faz a retirada direta dos medicamentos fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Era nesse ambiente que a dona de casa Marivalda Mota do Prado, 56 anos, aguardava atendimento na última terça-feira (3). Com dor de cabeça, ela resolveu ir até o posto para uma consulta, já que não precisa mais ir ainda de madrugada para tentar uma ficha. Agora, ela quase bate cartão na unidade de saúde.
– Há seis anos fui diagnosticada com diabetes e só agora ganhei um aparelho para medir a insulina – conta, ao retirar o equipamento da bolsa para mostrar à reportagem.
A Diretor Pestana é uma das seis unidades de saúde da Capital que passou a ficar de portas abertas até as 22h. Além disso, a gestão do posto passou para a Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, como solução encontrada pela prefeitura para a extinção do Instituto Municipal da Estratégia da Saúde da Família (Imesf).
De acordo com o gerente da unidade, Rodrigo Alves Mengue, o desafio foi acabar com a "cultura da ficha".
– As pessoas chegavam cedo com medo de não serem atendidas. Toda vez eu conversava com os moradores e explicava que não era mais preciso ficha para se consultar. Agora, dois meses depois, é que os usuários estão entendendo isso – conta.
Conforme Mengue, a procura após as 18h é intensa. Além da comunidade do bairro, o posto também pode receber usuários de outras partes da cidade.
– Tem vezes que quase dobra. Na segunda à noite, por exemplo, tínhamos 40 pacientes.
Sobre a falta de vacina, Mengue esclarece que o estoque zerado foi provocado pela falta de doses na Secretaria Estadual da Saúde (SES), mas que um novo lote deveria ser entregue pelo Ministério da Saúde nos próximos dias.
Conforme dados da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), de 7 de janeiro a 8 de fevereiro deste ano, o número de consultas médicas no Diretor Pestana aumentou em 23%, na comparação com o mesmo período do ano passado. Os atendimentos odontológicos também cresceram: 275% a mais do que em 2018.
US Farrapos: "faltava motivação dos profissionais"
Das 7h às 19h – Rua Graciano Camozzato, nº 185 – Farrapos
- 3 médicos
- 3 enfermeiros
- 5 técnicos de enfermagem
- 2 dentistas
- 2 auxiliares de saúde bucal
- 6 agentes comunitários/endemias
Quem vê a grama alta em frente ao posto Farrapos desconfia de que o atendimento ali é elogiado pela população. Mas passando pela entrada, o ambiente é outro: recepção climatizada, limpa e com pouco movimento. Também administrada pela Santa Casa, a unidade atende das 7h às 19h, sem fechar ao meio-dia.
Foi justamente no horário do almoço de terça-feira (3) que Fabiane Rodrigues Dutra, 38 anos, aguardava por atendimento. Em menos de meia hora, já foi chamada.
– Faz nove anos que utilizo o posto. Depois que trocou a gestão e estenderam o horário, está maravilhoso. Nem na rua as pessoas reclamam mais – avalia, ao contar que depende do SUS para garantir médico para o filho especial.
Há um ano e meio em Porto Alegre, a carioca Thaynara de Sousa Silva, 22 anos, conta que, em menos de três meses, já realizou todos os exames solicitados pela médica.
– Até a transvaginal, que é uma coisa muito rara de se conseguir pelo SUS. E eu digo mais, os gaúchos reclamam de barriga cheia. Lá no Rio, é de três a quatro meses para conseguir uma consulta com um clínico.
Na visão dela, o que faltava era motivação dos profissionais.
– Antes, eu via a equipe colocando muita desculpa, impedindo a gente de muita coisa.
US 1º de Maio: atendimento odontológico à noite ainda precisa de ficha
Das 8h às 22h – Avenida Professor Oscar Pereira, nº 6199 – Cascata
- 3 médicos
- 3 enfermeiros
- 8 técnicos de enfermagem
- 3 dentistas
- 3 auxiliares de saúde bucal
- 9 agentes comunitários/endemias
No posto 1º de Maio/Glória, a população pode escolher entre aguardar atendimento do lado de dentro, na recepção, ou nas cadeiras acomodadas sob um telhado de zinco, que fica ao lado da porta principal. Na tarde da última terça-feira (3), alguns moradores preferiram ficar ao ar livre a permanecer na área com climatização. Foi o caso da dona de casa Gelci Menezes Fraga, 53 anos.
– Antes a gente ficava sentado num banco de cimento. Agora não, tem estrutura. Não preciso mais vir na madrugada buscar atendimento. Eu, pelo menos, estou satisfeita.
O mesmo elogio é compartilhado pela operadora de caixa Amanda Flores, 21, que não acreditou quando soube que não precisava mais agendar consulta para o filho de um ano e meio.
– Saí mais cedo do trabalho para tentar agendar consulta para o meu filho e, quando cheguei aqui, descobri que não precisava marcar, já tinha médico disponível. Liguei logo para o meu marido ir até em casa e buscar o bebê.
Fechado por quase sete meses para reformas, a unidade foi reaberta neste ano, já com a gestão do Divina Providência. Com atendimento até as 22h, as fichas ainda não foram totalmente abandonadas. Elas são distribuídas para quem precisa de atendimento com dentista no turno da noite.
– Isso porque, à noite, temos apenas uma dentista. Daí foi a forma que encontramos para organizar o fluxo – explica a gerente da unidade, Karina Arregui Zilio.
US Santo Alfredo: "mais demorado do que antes"
Das 8h às 20h – Rua Santo Alfredo, 37 – São José
- 3 médicos
- 3 enfermeiros
- 5 técnicos de enfermagem
- 2 dentistas
- 2 auxiliares de saúde bucal
- 9 agentes comunitários/endemias
Localizado numa antiga casa do bairro, que foi transformada em centro de saúde, o posto Santo Alfredo é um dos que passaram a atender 12 horas seguidas, sem fechar ao meio-dia. Por lá, porém, o atendimento ainda apresenta deficiências. A desempregada Caroline Beatriz de Mello Saraiva, 26 anos, chegou às 17h46min de terça-feira (3) para buscar consulta para a filha Ana Carolina, 7. Aproveitando o horário estendido, pensou que seria tudo mais rápido. Uma hora depois ainda não tinha sido chamada pelo acolhimento.
– Está mais demorado que antes. Quando cheguei, tinha três pessoas na minha frente. Minha filha está com tosse e eu só queria um remédio e um soro para limpar o nariz dela, mas até agora nem fui chamada para a triagem.
A administração da unidade de saúde passou para o Divina Providência, que é responsável por manter as portas abertas das 8h às 20h. Conforme levantamento da SMS, no primeiro mês da nova gestora, a quantidade de consultas médicas reduziu 5%, na comparação com o mesmo período do ano passado. Já os atendimentos de enfermagem e de odontologia cresceram 18% e 299%, respectivamente.
De acordo com a prefeitura, a proposta é construir um novo posto em um terreno localizado próximo à atual unidade.
US Lami: atendimento na casa dos pacientes
Das 7h às 19h – Avenida do Lami, 4288 - Belém Novo
- 3 médicos
- 3 enfermeiros
- 5 técnicos de enfermagem
- 2 dentistas
- 2 auxiliares de saúde bucal
- 12 agentes comunitários/endemias
No extremo-sul da Capital, uma das poucas ruas asfaltada é a do posto Lami, que agora atende a comunidade das 7h às 19h. Localizado numa casa, o posto estava cheio na tarde da última quarta-feira (4). Pessoas aguardavam atendimento tanto na recepção, quanto na varanda ou na antiga garagem, transformada em sala de espera. A procura intensa, porém, era por conta da pesagem do Bolsa Família, que exige que as crianças sejam avaliadas para que o beneficiário continue recebendo os recursos.
Mesmo com o movimento, a dona de casa Juraci da Costa Sanhudo, 57 anos, está satisfeita com o serviço prestado pela Associação Vila Nova, que assumiu a gestão da unidade de saúde.
– Está melhor. A gente pode consultar a qualquer hora. Já não preciso vir mais na madrugada.
A mesma opinião tem a dona de casa Jurema Kaipper de Lima, 68, que elogiou o atendimento dos últimos meses.
– A única coisa que acho ruim é o horário para a renovação de receita, que é das 16h às 17h. Isso porque temos poucos ônibus aqui no Lami.
Debruçada sobre o "mapa" do Lami, a gerente do posto, Rosimeri de Oliveira Tiziani, aponta os desafios para as equipes de saúde da família.
– São cerca de 107 quilômetros quadrados de área e 15 mil habitantes. Sabemos que nem todos conseguem vir até aqui, por isso criamos grupos de caminhada nos pontos extremos que, além do exercício, permite que o médico realize atendimentos nas casas dos participantes, principalmente aqueles acamados e de difícil locomoção – conta.
No primeiro mês, o posto do Lami aumentou em 92% o número de consultas médicas e em 232% as consultas com dentistas, na comparação com o mesmo período do ano passado.
US Macedônia: "existe cuidado para um atendimento mais rápido"
Das 7h às 19h – Avenida Macedônia, 750 - Restinga
- 4 médicos
- 4 enfermeiros
- 7 técnicos de enfermagem
- 2 dentistas
- 2 auxiliares de saúde bucal
- 6 agentes comunitários/endemias
Também no extremo-sul da Capital, o posto de saúde Macedônia atende cerca de 36 mil pessoas. Por lá, o trabalho começa às 7h e segue até as 19h, com administração da Associação Vila Nova. Na quarta-feira à tarde, a sala de espera estava repleta de pacientes. A auxiliar de cozinha Taiane Maia, 26 anos, chegou às 15h30min e aguardava por uma injeção.
– Está um pouco demorado hoje. Já são 16h30min e ainda não me chamaram.
Já a universitária Júlia Pedroso, 28, estava surpresa com a atenção dos profissionais.
– O complicado antes era a falta de boa vontade no posto. A gente nota que, mesmo que não consigamos o atendimento que a gente quer, existe um cuidado para que a gente tenha esse atendimento mais rápido. Antes era uma má vontade. Agora, até dentista a gente consegue.
Conforme a gerente do posto, Gabriela Aguiar, os dois consultórios odontológicos são as "meninas dos olhos".
– Acabamos com a entrega de fichas. Temos consultas agendadas, mas também espaço para demanda espontânea, tanto para médicos quanto para dentistas.
US Moab Caldas: "atendimento melhorou muito"
Das 7h às 19h – Avenida Moab Caldas, 400 – Santa Tereza
- 9 médicos
- 9 enfermeiros
- 9 técnicos de enfermagem
- 3 dentistas
- 3 auxiliares de saúde bucal
- 13 agentes comunitários/endemias
Localizado atrás do Pronto Atendimento Cruzeiro, o Moab Caldas impressiona pelo tamanho. Ele está instalado num prédio que lembra um colégio. No andar de cima, fica um centro de especialidades médicas. Já no de baixo, fica a estrutura do posto, com os consultórios e sala de vacina. Desde janeiro, a unidade é administrada pelo Divina Providência e passou a manter as portas abertas das 7h às 19h.
Nesta sexta-feira (6), a auxiliar de serviços gerais Miriam Dias, 36 anos, aguardava para ser chamada. Sentada em um dos bancos do corredor que serve como sala de espera, Miriam conseguia observar a filha Sophia, 6, brincando na estrutura montada para as crianças.
— Vim aqui para vacinar ela contra a febre amarela. O atendimento melhorou muito. Agora parece que eles estão interessados na gente, em saber o que precisamos. São bem atenciosos.
A pensionista Roseli da Silva Carneiro, 60, aguardava para renovar uma receita.
— Agora não preciso mais chegar na madrugada para pegar uma ficha. Está bem melhor.
Conforme a enfermeira assistencial Aline Antunes, mesmo sem a entrega de fichas, ainda há mais procura pela manhã.
— É uma herança ainda que estamos trabalhando. Aos poucos, eles vão entendendo que não precisam chegar cedo para garantir atendimento.
Modelo seguido pelo resto do Brasil
A ampliação no horário de atendimento dos postos de saúde começou a ser implantada em Porto Alegre pelo então secretário municipal Erno Harzhein. Hoje, como secretário da Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde, Harzhein levou a proposta para o governo federal. Foi assim que o ministro Henrique Mandetta lançou o programa Saúde na Hora, que destina mais recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) para os municípios que decidirem deixar as portas dos postos de saúde abertas por mais tempo.
De acordo com Harzhein, desde o lançamento, em maio de 2019, já são 1,5 mil unidades de saúde com horário estendido em todo o Brasil, com 60 horas semanais (12 horas por dia) ou 75 horas semanais (14 horas por dia, fechando apenas às 22h).
– Estender horário é uma solução que precisa ser ensinada para o Brasil inteiro. O sistema de saúde não pode perder a oportunidade de ter contato com a pessoa. Uma unidade básica de saúde precisa ter um caráter de "loja de conveniência": tudo o que você precisar naquele momento ela precisa oferecer – avalia.