A proposta de proibir o consumo de álcool em áreas públicas em Porto Alegre, em estudo pela Secretaria Municipal de Segurança Pública, segue uma tendência internacional de impor limites ao hábito de beber. Países tão diferentes como Estados Unidos, Chile, Polônia ou Austrália adotam regras para restringir o horário ou o local de uso.
Estudos demonstram resultados divergentes em relação ao impacto da medida sobre o registro de crimes graves, mas localidades que aprovaram leis desse tipo indicam aumento na "sensação de segurança" por parte da população.
Diretor-executivo do Instituto Cidade Segura, Alberto Kopittke afirma que cerca de 70% dos países têm, hoje, algum tipo de legislação restritiva ao consumo de álcool nas ruas como meio de conter distúrbios e frear índices de violência.
— Há mais de 40 estudos internacionais mostrando que essas medidas ajudam a reduzir a violência. Em Diadema, São Paulo, nos anos 2000 ajudou a reduzir homicídios em 20%, além de estupros e violência contra a mulher — opina o especialista.
Informações recolhidas por Kopittke para um livro a ser lançado mês que vem sobre segurança pública baseada em evidências demonstram que, de 28.265 homicídios compilados por 23 estudos diferentes em nove países, em 48% dos casos o autor, a vítima ou ambos estavam alcoolizados. Assim, todo esforço para barrar a embriaguez ajudaria a reduzir as ocorrências de morte. Restringir o uso a espaços fechados, onde um comerciante se responsabiliza por impedir a compra por menores de 18 anos, seria um caminho.
Outra pesquisa, publicada em 2012 por especialistas do Centro de Pesquisa sobre Políticas do Álcool da Austrália, analisou 16 estudos anteriores sobre o assunto. Os pesquisadores concluíram que não era possível estabelecer relação direta entre as proibições e a redução de crimes, mas observaram, na maioria dos casos, o aumento de uma "sensação" de segurança entre a população.
Foram destacados também alguns pontos problemáticos desse tipo de estratégia: populações marginalizadas, como moradores de rua, acabavam sofrendo o maior rigor da fiscalização, e parte dos adeptos do consumo ao ar livre migra para locais mais afastados para escapar das punições. A capacidade de fiscalização foi descrita como "inconsistente" em 13 localidades de Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia — outro obstáculo para fazer valer as normas.
— É possível que a restrição ao álcool reduza ocorrências como agressões, brigas. Mas não acredito que atingiria a grande massa de crimes violentos, e poderia ter impacto negativo sobre manifestações culturais — avalia Letícia Maria Schabbach, professora de Sociologia e integrante do grupo de pesquisa Violência e Cidadania da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Levantamento realizado pelo jornal Folha de S.Paulo em 15 municípios do Paraná que adotaram barreiras ao álcool nas ruas demonstrou, em 2018, que a criminalidade havia aumentado em oito cidades e diminuído em outras quatro após a nova regulamentação. Nas três restantes, a legislação ainda era muito recente para comparações.
A melhor saída, conforme o psiquiatra, conselheiro e ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e de Outras Drogas (Abead), Carlos Salgado, seria fazer com que a sociedade entendesse a importância de impor limites à bebida antes de simplesmente aprovar legislação mais restritiva.
— Se houver colaboração, simpatia da comunidade ao projeto, o impacto tende a ser mais efetivo. Hoje, até a Organização Mundial da Saúde dá respaldo a políticas que buscam aumentar o controle sobre a bebida, seja elevando tributação ou regulando pontos de venda, como estabelecer horários de fechamento, a exemplo dos pubs na Inglaterra. Mas se houver apoio social a chance de sucesso é maior — analisa Salgado.
Lei gera controvérsia em Passo Fundo
Passo Fundo é uma das cidades brasileiras que adotou recentemente medidas contra o hábito de beber em áreas públicas. Desde 2017, uma norma municipal restringe o uso de álcool nas ruas. Mas o impacto da novidade gera opiniões divergentes dentro da própria prefeitura.
Em entrevista a GaúchaZH na tarde desta quarta-feira (12), o secretário municipal de Segurança, João Gonçalves, afirmou que o saldo da mudança foi positivo:
— Não temos dados específicos, mas percebemos uma diminuição das perturbações ao sossego, menos sujeira nas ruas e menos motoristas que bebem e dirigem.
Poucos minutos depois, durante participação em um debate sobre a proposta de coibir o uso público de álcool na Rádio Gaúcha, o prefeito do município, Luciano Azevedo, se mostrou contrário à legislação, que considerou ineficaz e difícil de ser fiscalizada.
— A lei não funciona e não vai funcionar em lugar nenhum. Se começarmos a dar à polícia funções periféricas, vamos usar mal a polícia que temos — declarou Azevedo no ar.
Dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado demonstram que o número de vítimas de homicídios caiu de 39 em 2016, último ano antes da proibição de beber na rua, para 23 em 2018, ano seguinte à novidade. Mas o secretário de Segurança de Passo Fundo afirma que não é possível estabelecer uma relação direta entre essa redução e a aprovação das novas regras:
— Nos últimos dois anos tivemos queda generalizada dos índices de criminalidade na cidade, em todos os sentidos. Não temos como dizer que foi efeito da lei.
Como é em outros países
Alemanha
Tolera consumo em áreas públicas, mas algumas cidades impõem restrições ao uso em locais específicos, como no transporte público.
Austrália
As regras podem variar conforme a região do país, mas há zonas em que não é permitido beber em público. A posse de uma garrafa aberta já pode ser considerada infração.
Canadá
O consumo de álcool nas ruas costuma violar normas municipais e provinciais. O infrator pode ser multado e obrigado a se desfazer da bebida.
Estados Unidos
Beber em público é proibido na maior parte do país, com legislações que variam conforme cada Estado. A punição pode variar deste multa a até prisão.
Inglaterra
Não é proibido beber em área pública, embora existam zonas em que oficiais podem pedir a interrupção do consumo para preservar a ordem. O horário de funcionamento dos pubs é regulado.
Polônia
Não se pode beber em áreas públicas sob pena de multa. Pessoas embriagadas na rua podem ser recolhidas a uma clínica até recuperarem a sobriedade.