Se alguma vez você se questionou sobre o que torna a Rua da Praia um lugar diferente, é provável que tenha listado, entre uma série de fatores, um detalhe aparentemente muito simples. A falta de fios na estreita rua do Centro Histórico de Porto Alegre deixa o ambiente um pouco menos poluído visualmente, já que toda fiação é subterrânea.
O exemplo, porém, é um dos poucos encontrados na Capital. Em 2015, a discussão chegou a ser levantada na Câmara Municipal, mas o assunto não foi para a frente. O Legislativo chegou a aprovar naquele ano um projeto que obriga empresas a recolherem fios não utilizados que ficam pendurados nos postes da cidade – o decreto que regulamenta a lei só foi publicado em junho deste ano. De acordo com a prefeitura, as empresas deveriam retirar o material excedente até o final de 2019, sob pena de aplicação de multa aos infratores. De qualquer maneira, esconder debaixo da terra a fiação já é outra história.
Em países da Europa, como Alemanha e Holanda, o sistema de cabos subterrâneos já existe e corresponde a 60% da fiação elétrica no continente. No Brasil, cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte também possuem esse tipo de estrutura, mas em uma escala bem menor: apenas 2% do material está debaixo do solo.
Com lei de 2005, São Paulo obriga concessionárias, empresas estatais e operadoras de serviço a enterrarem todo o cabeamento de rede elétrica, telefonia, televisão e afins instalado no município. Desde a aprovação da legislação, entretanto, pouco foi feito. Hoje há estimativa de que apenas 10% da fiação de São Paulo é subterrânea. Projeto aprovado durante o governo Doria previa que 2.109 postes fossem retirados até este ano. O prazo, no entanto, não foi respeitado e a meta foi adiada para 2020. Caso seja cumprida, a previsão é que a porcentagem de fiação subterrânea de São Paulo atinja 17%.
Para o engenheiro Daniel Bento, que atuou como responsável técnico pela rede de distribuição subterrânea da cidade de São Paulo, por mais que o fator do embelezamento estético seja uma das primeiras questões a surgirem quando o assunto é enterramento de fios, o principal ponto de discussão deve ser o aumento da segurança e da confiabilidade da energia. Cabos enterrados reduzem as chances de apagões em caso de chuva ou vento forte, evitam problemas de descarga elétrica e reduzem a necessidade de poda de árvores para instalação do sistema.
Da mesma forma, o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul (CAU/RS), Tiago Holzmann da Silva, cita a questão das árvores, fator que provoca fortes debates na capital gaúcha. Segundo ele, caso a fiação fosse subterrânea, o número de podas irregulares seria reduzido.
– Muitas vezes, a poda é feita de qualquer jeito, só para conter o problema do contato com a fiação, e isso desestabiliza a planta. Em algumas situações, isso acaba motivando uma queda no futuro – destaca.
Daniel Bento destaca ainda que não há necessidade de fios enterrados em todas as ruas das cidades. A seleção de regiões com alta densidade de carga, onde mais se usa energia elétrica, já contribuiria muito no processo, uma vez que as chances de apagões seriam bem menores.
A chance de Porto Alegre ser uma cidade sem fios
Para o diretor de distribuição da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), Giovani Francisco da Silva, ainda que as redes enterradas tenham benefícios, seriam necessários alguns cuidados para a realização das obras de instalação em Porto Alegre. A abertura de buracos nas vias da cidade provocaria conflitos no fluxo normal do trânsito, além do extremo cuidado ao perfurar estruturas de água e gás, por exemplo.
Silva ainda salientou a questão financeira: com certeza, a conta de luz ficaria mais cara com esse tipo de implementação. Para levar 1 quilômetro de fio para o subsolo é necessário um investimento aproximado de R$ 10 milhões. Por isso, ele acredita que a substituição total dos fios é praticamente impossível.
Para Tiago Holzmann, no entanto, os custos valem os benefícios. Em comparação, ele cita os sistemas de gás e água que já são subterrâneos, assim como o cabeamento de fibra ótica.
– O principal benefício que vejo é o da segurança das pessoas que não ficam expostas a esse cabeamento. As empresas ganham em eficiência, tecnologicamente é um sistema mais avançado e os consumidores têm um sistema mais estável – argumenta.
Um dos principais exemplos citados pelos entusiastas da ideia é Londres. Cerca de 80% da fiação foi enterrada em apenas três anos – prazo bem menor do que o estimado para a realização das obras em São Paulo, que levaria cerca de 33 anos para colocar toda fiação no subsolo caso enterrasse 300 quilômetros de fios por ano, como previa inicialmente o projeto de João Doria. Hoje, todo o sistema londrino já está no subsolo.
A chance de Porto Alegre ver algo assim ocorrer em toda a cidade nos próximos anos, porém, é remota. Realista, Holzmann acredita que, caso implementado na Capital, o ritmo provavelmente seria bem mais lento. Mas isso, ele diz, não é problema.
– Precisamos ser realistas com a situação da nossa cidade: temos outras prioridades. O que não podemos é deixar que outros tópicos importantes tirem esse de pauta. A melhor solução é planejar e por em prática de forma gradual – garante Holzmann, cobrando, assim como Daniel Bento, que se mantenha uma agenda para essa discussão no Brasil.
De acordo com a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SMSUrb), todas as praças, parques, avenidas e o Centro Histórico de Porto Alegre já possuem redes subterrâneas de iluminação pública. No caso do Centro, os cabos aéreos são da Empresa Pública de Transporte e Circulação de Porto Alegre (EPTC), e servem para alimentação dos semáforos e para comunicação. A SMSUrb não tem uma contagem que defina quantos quilômetros de fio já estão no subsolo.
* Produção Amanda Caselli e Raíssa de Avila