Na sala do secretário da Fazenda de Porto Alegre, Leonardo Busatto, há um grande painel no qual os dados das finanças municipais são atualizados constantemente à caneta. Nos últimos meses, os números do quadro começaram a trocar o vermelho pelo azul.
Depois de pelo menos sete anos consecutivos de déficit no caixa do Tesouro – dinheiro disponível para o município gastar, excluídos recursos reservados, como o da Previdência –, a prefeitura previa recuperar o equilíbrio fiscal em 2019. Conforme os dados apresentados nesta terça, no Paço Municipal, quase conseguiu: o déficit caiu de R$ 78,3 milhões para R$ 67,8 milhões, com expectativa de aumento de receita em 2020, graças, entre outras medidas, à atualização da planta de valores do IPTU.
Para isso, contribuíram ajustes estruturais e aumento de receita própria, mas também cortes em investimentos e redução de vagas no funcionalismo que motivam críticas da oposição e de representantes dos municipários.
Citada como exemplo de pujança até o início dos anos 2000, a Capital caiu em situação de penúria por uma razão comum a muitas famílias: os gastos cresceram além dos ganhos. Entre 2005 e 2016, segundo a Fazenda, as despesas do Tesouro subiram 63% contra avanço de 48% nas receitas. Entre as razões do descompasso, está o crescente déficit previdenciário, que triplicou em uma década e, em 2019, chegou pela primeira vez aos 10 dígitos: R$ 1,04 bilhão.
A fórmula colocada em prática para inverter a equação incluiu medidas estruturais e ações pontuais. As reformas definitivas incluíram a ampliação da alíquota previdenciária dos servidores de 11% para 14% e a redução de benefícios como triênios e quinquênios, o que ajudou a limitar o crescimento dos gastos com pessoal e encargos – outro motivo do desequilíbrio. Na coluna das receitas, uma das principais iniciativas foi a atualização da planta de valores do IPTU.
O impacto dessas medidas, porém, até o momento foi moderado. Parte dos ajustes administrativos prevê regras de transição, e a lei que atualizou o imposto sobre imóveis terá maior impacto nas planilhas de 2020, e com aumentos limitados a 30% no primeiro ano de vigência. Uma análise mais detalhada das contas municipais revela que a balança fiscal já dava sinais de melhora mesmo antes de entrarem os R$ 437 milhões do pagamento antecipado do IPTU entre meados de dezembro do ano passado e o começo de janeiro.
Cobrança
Até outubro de 2019, a prefeitura acumulava resultado positivo de R$ 706 milhões, contando o dinheiro da Previdência, ou de R$ 280 milhões considerando apenas os recursos livres do Tesouro.
Como no fim do ano há concentração de despesas, a maior parte dessa "gordura" foi consumida. Mas, no mesmo período de 2018, o resultado parcial já era negativo de R$ 30 milhões. No fim das contas, o déficit de 2019 em relação a 2018 caiu R$ 10,5 milhões.
— Esse desempenho teve origem em crescimento da receita da ordem de 5,4%, para alta de despesa de apenas 1%, em termos nominais — afirma o especialista em finanças públicas Darcy Francisco Carvalho dos Santos, que analisou a execução orçamentária da Capital nos primeiros 10 meses do ano.
Uma das razões do reforço no caixa foi um esforço para cobrança de devedores de impostos que gerou R$ 224 milhões no ano passado — R$ 62 milhões a mais do que em 2016, por exemplo. Isso não significa que a situação da cidade já esteja confortável. A Lei Orçamentária Anual (LOA) ainda projetou déficit de R$ 336,5 milhões para 2020 – que o Executivo promete eliminar por meio de recursos extras (não previstos) e de novos cortes de gastos incluídos no projeto.
Conforme Busatto, a lei prevê tudo o que pode ser investido, mas não obriga a execução. A estimativa em 2019 era ainda pior, de R$ 918 milhões negativos.
Arrecadação maior, investimento menor
O balanço orçamentário da Capital trouxe como boa notícia a receita obtida por meio de tributos próprios – como o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), que teve alta de 2,4% em relação a 2018. Isso é positivo porque dá fôlego ao caixa municipal sem depender tanto de transferências de outras esferas, como a União e o Estado. Mas a busca por equilíbrio nas contas se deu por meio de medida considerada ruim por especialistas: menos investimentos.
O gasto com melhorias na cidade caiu de R$ 247,2 milhões, em 2018, para R$ 204,4 milhões, em 2019 – ou 17,3% menos. O secretário da Fazenda, Leonardo Busatto, sustenta que, além da dificuldade financeira, o recuo também se explica por razões burocráticas:
— Houve obras com recurso de financiamento que o município teve dificuldade em gastar, como as trincheiras da Ceará e da Anita. Não conseguiu executar a obra, acabou reduzindo o investimento.
O município também teve de limitar serviços de manutenção como capina e tapa-buracos, que estão sendo retomados em maior escala agora. Busatto lembra que o reequilíbrio financeiro da Capital permitiu a contratação de quase R$ 1 bilhão em financiamentos, que devem promover a retomada e ampliação dos investimentos ao longo dos próximos anos.
Outro argumento da Fazenda é que houve aumento na prestação de serviços, o que impactou nas planilhas de custeio (alta de 5,4%). Trata-se de parte da estratégia de gastar mais na contratação de tarefas em vez de prestá-los com servidores municipais.
Quantidade de pessoal na ativa cai 18%
Uma das estratégias desenhadas pela prefeitura para deixar as contas de novo no azul foi controlar os gastos com pessoal. Além de reduzir vantagens como triênios, quinquênios e gratificações, o Executivo cortou a reposição de servidores aposentados.
Como consequência, o número de municipários na ativa vem caindo. Desde o último ano da gestão de José Fortunati, em 2016, a quantidade de funcionários trabalhando diminuiu 18% – de 16.502 para 13.535.
Para dar conta das demandas em áreas como saúde ou educação infantil, o Executivo colocou em prática plano alinhavado pelo prefeito Nelson Marchezan: substituir o serviço prestado diretamente pelo poder público por contratualizações, terceirizações e concessões. A atual gestão avalia que isso permite mais agilidade na oferta do serviço e a possibilidade de assinar contratos prevendo metas de produtividade.
— Com uma pessoa, não se tem garantia de produtividade. Por meio da contratualização, pode-se estabelecer metas do serviço que vai ser prestado – afirma o secretário da Fazenda, Leonardo Busatto.
Líder da oposição na Câmara, o vereador Aldacir Oliboni (PT) condena as parcerias feitas com o setor privado nessas áreas.
— Decisões como a de terceirizar grande parte da saúde precarizam o atendimento, dentro de uma lógica de que só o capital privado resolve. Transforma a saúde em mercadoria — contrapõe Oliboni.
Funcionalismo critica medidas de ajuste
As medidas adotadas pela prefeitura para eliminar os déficits recentes são criticadas por representantes de servidores que entendem estar pagando boa parte do custo dos ajustes.
As reclamações dos funcionários incluem a faltas de reposição salarial e de nomeação de funcionários, além de atrasos em pagamentos como o do 13º salário, que ocorreu somente em 20 de janeiro deste ano.
Diretor-geral do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre, João Ezequiel avalia que a antecipação do IPTU poderia ter sido destinada ao pagamento dos funcionários, e critica a fórmula adotada na Capital:
— Marchezan está fazendo essa economia às custas do salário dos servidores, da retirada de direitos, além da falta de reposição salarial, do aumento da alíquota da Previdência e da reformulação nas carreiras.
Conforme o secretário municipal da Fazenda, Leonardo Busatto, não haveria margem suficiente para quitar o 13º antes da virada do ano. Assim, a estratégia foi eliminar os demais débitos, como dívidas com fornecedores, e deixar apenas essa folha a ser paga em 2020.
— Teremos um desafio neste ano, que será pagar 14 folhas (contando o 13º do final do ano). Mas acreditamos que será possível graças às ações que foram feitas – comentou Busatto.