Um protesto realizado por pais e apoiadores do grupo Escola sem Doutrinação em frente ao Colégio Marista Rosário, no bairro Independência, em Porto Alegre, nesta segunda-feira (5), foi motivado pelo que os manifestantes definem como "a gota d'água": uma briga entre dois adolescentes do 2º Ano do Ensino Médio no último dia de aula antes do recesso, no dia 23.
O enfrentamento foi gravado por um colega, e o registro viralizou por meio de WhatsApp. No vídeo de 33 segundos, que não é divulgado por GaúchaZH para não expor os adolescentes, um aluno e uma aluna se agridem com socos dentro da sala de aula. A escola confirma que as matrículas de ambos foram canceladas e que o professor responsável pela aula foi demitido.
A briga ocorreu em uma aula de Sociologia, após a exibição de uma entrevista em que o sociólogo Sergio Adorno opina sobre as consequências da disseminação da violência na sociedade brasileira e de que maneira ela reforça as desigualdades sociais. Nesse vídeo, publicado pelo Nexo Jornal no YouTube, o sociólogo afirma que "não pode ter uma polícia que protege brancos de classe média e uma polícia que lida com a repressão quando tem jovens negros na periferia, esse tipo de concepção que a violência nos divide, é algo que acentua o funcionamento das instituições de modo desigual".
Foi justamente a discussão sobre a atuação da polícia que desencadeou um debate em sala de aula, provocado por uma terceira estudante, não envolvida na briga. Na opinião da advogada Roberta Lazzarotto Terra Lopes, 39 anos, uma das manifestantes desta segunda-feira e mãe de uma aluna do colégio, o vídeo tem cunho ideológico.
— Nossa grande preocupação é a atitude do colégio de permitir essa doutrinação, essa militância liberada, e a omissão do professor — diz ela.
O protesto estampou faixas com dizeres como: "Marista, sim! Marxista, não!", "Mais Champagnat! Menos Frei Betto e Leonardo Boff" e "Por mais Cristianismo nas aulas". A manifestação contou com a participação de políticos, como os deputados estaduais Eric Lins (DEM), coordenador da Frente Parlamentar em Defesa da Escola Plural e Contra a Doutrinação, e Luciano Zucco (PSL), tenente-coronel da reserva do Exército, e a secretária municipal de Desenvolvimento Social e Esporte de Porto Alegre, Nádia Gerhard (MDB). Os manifestantes permaneceram na praça em frente ao colégio por cerca de uma hora.
Em um documento distribuído na entrada, que remete ao movimento Escola sem Partido, criticou-se o que eles julgaram como "uma expulsão de alunos de forma arbitrária e injusta, apenas para sepultar o acontecimento, poupando a escola de maiores desgastes". Também grafa: "A abordagem de assuntos alheios ao plano de ensino e ao currículo serve para fortalecer uma agenda que não é a nossa. O favorecimento de pautas esquerdistas mostra o grau de doutrinação praticado por alguns professores".
Presidente da Associação Mães e Pais pela Democracia, que tem linha de pensamento oposta ao grupo Escola sem Doutrinação, a socióloga Aline Kerber, 34 anos, também mãe de aluno, destaca que acha legítimo qualquer tipo de protesto, mas ressalta que o vídeo exibido antes da briga se baseia em evidências científicas, trazendo questões importantes como atuação da polícia, racismo e direitos humanos, e que isso precisa ser discutido em sala de aula.
— É essencial debater essas questões na escola para que nossos filhos encontrem soluções que a nossa geração não encontrou.
Ela destaca que não vê no Marista uma escola marxista, defendendo que a escola mostra diversos pontos de vista, e critica o que refere como uma contradição do grupo que realizou o protesto desta segunda-feira, destacando que o grupo defende escola sem doutrinação e contou com a participação de políticos:
— Fala que não pode ter doutrinação marxista, mas pode do partido deles, defendendo, a partir do lugar de político, uma escola sem partido.
Não é a primeira polêmica envolvendo posicionamentos políticos distintos e o Colégio Marista. No ano passado, foram realizados, pelos alunos, protestos contra e a favor do então candidato à presidência Jair Bolsonaro.
O que diz a escola
O Colégio Marista Rosário se manifestou por meio de notas. A respeito da manifestação, a escola esclareceu que foi organizada por um grupo formado, em sua maioria, por pessoas sem ligação com a instituição e ressaltou que "defende a liberdade de expressão e respeita as diferentes opiniões, fortalecendo a missão de formar cidadãos comprometidos com a promoção da vida e da cultura de paz".
Sobra a briga, o colégio diz que tomou as medidas previstas em seu regimento, priorizando os encaminhamentos com as pessoas diretamente relacionadas.
Leia a nota na íntegra:
"Sobre a manifestação ocorrida hoje, dia 5/8, em frente ao Marista Rosário, esclarecemos que foi organizada por um grupo formado em sua maioria por pessoas sem ligação com o Colégio. Defendemos a liberdade de expressão e respeitamos as diferentes opiniões, fortalecendo a nossa missão de formar cidadãos comprometidos com a promoção da vida e da cultura de paz. A respeito do ocorrido no dia 23/7, o Colégio tomou as medidas previstas em seu Regimento Escolar, priorizando os encaminhamentos com as pessoas diretamente relacionadas. Nossas famílias também foram atendidas, o que reforça nossa abertura ao diálogo.As decisões adotadas consideraram a equidade de tratamento e foram informadas apenas aos envolvidos, o que se encerrou na manhã de hoje, dia 5/8. Isso precisou ocorrer em diferentes momentos, conforme a disponibilidade das famílias, visto que estávamos em período de recesso escolar. É importante frisar que as decisões foram tomadas antes da visibilidade pública do assunto e que não serão divulgadas em atenção a questões legais e pedagógicas. Para as associações políticas que foram feitas em relação ao episódio, reiteramos que somos apartidários e não nos vinculamos a candidato ou ideologia político-partidária, o que foi evidenciado em diferentes momentos de diálogo com pais e responsáveis atendidos."
O professor demitido não quis se manifestar neste momento.