Disciplinada em Porto Alegre desde o fim da década de 1980, a atuação dos guardadores de veículos está prevista em uma lei federal de 1975, regulamentada em 1977 pelo então presidente Ernesto Geisel. Ainda vigente, a legislação federal pode ser um empecilho para os planos da prefeitura de acabar com os flanelinhas na Capital. Na avaliação de especialistas consultados por GaúchaZH, a proposta que proíbe a atuação desses profissionais em vias públicas, prestes a ser encaminhada à Câmara Municipal, entra em conflito com a Constituição — interpretação refutada pela Procuradoria-Geral do Município (PGM).
— Não há dúvida de que a proibição de uma atividade profissional jamais pode ser feita por um ente público municipal ou estadual, porque só quem pode dispor sobre o assunto é a União. Nos termos em que está hoje, o projeto é inconstitucional — diz o professor de Direito da Unisinos Ronaldo Gatti de Albuquerque, que acredita que o Executivo editou a matéria para atender a um "clamor social".
Albuquerque explica que, uma vez que uma atividade é regulamentada pela União, não há como o município proibir seu exercício. O professor destaca que, no caso dos guardadores, cabe ao poder público a fiscalização da atividade — o que dispensaria a elaboração de uma lei específica sobre o tema.
Entendimento semelhante tem o professor de direito constitucional da PUCRS Alexandre Mariotti. Ele avalia que, do ponto de vista jurídico, o projeto do Executivo é de "constitucionalidade duvidosa". Segundo Mariotti, o caminho legal possível para diminuir a presença dos flanelinhas seria impor restrições à atividade, como a delimitação de locais e horários específicos em que os guardadores podem atuar.
— A prefeitura pode atuar estabelecendo restrições, mas não proibindo. Pode estipular as situações em que é permitido ou não — diz.
A norma federal estipula, entre outras regras, que a atividade só pode ser exercida por pessoas sem antecedentes criminais e que estejam registradas na Delegacia Regional do Trabalho.
Procurador-geral do município, Nelson Marisco discorda da interpretação dos especialistas de que há conflitos entre a proposta do Executivo e a lei federal. Ele afirma, citando a Constituição, ser competência do município legislar sobre assuntos de interesse local.
— Antes de a lei ser proposta, foi feita pesquisa sobre declaração de inconstitucionalidade de legislações semelhantes. Nenhuma foi encontrada. Inúmeros municípios, inclusive no Rio Grande do Sul, proibiram — salienta.
Marisco relata que a prefeitura recebeu do Ministério Público uma recomendação para que a atividade de flanelinhas seja proibida — o pedido antecede protocolo de ações civis públicas —, e isso será usado pela prefeitura em eventual discussão judicial.
— Entendo que a norma não fere a Constituição — acrescenta.
Caso o projeto da prefeitura seja aprovado e se torne lei, o detalhamento de como ocorrerá a fiscalização será feito por um decreto de regulamentação.