Proposta da prefeitura para acabar com os achaques a motoristas em Porto Alegre, a proibição dos flanelinhas não é vista com bons olhos por especialistas em segurança pública. Sem um diagnóstico prévio e alternativas para lidar com o fim da atividade, a ausência dos guardadores pode gerar ainda mais insegurança, fomentando outras práticas ilegais.
— Esse tipo de ação que o município quer fazer não vai funcionar. Não existe um levantamento sobre quem atua nessa área, mas já sabemos que alguns saíram do sistema penitenciário e trabalham para o crime organizado. O que identificamos é que, quando se extingue essa possibilidade, há um aumento do roubo e do roubo de veículos — diz o professor da Feevale Charles Kieling.
Segundo Kieling, estudos preliminares em diferentes municípios indicam que flanelinhas que atuam em áreas de grande circulação e costumam mostrar-se agressivos ao abordar os motoristas muitas vezes contam com a proteção do crime organizado. Alguns deles são cobrados para poder atuar em determinadas regiões, e pagam em dinheiro ou cometendo delitos.
Na avaliação do especialista, que atualmente presta consultoria na área da segurança para a prefeitura de Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, antes de propor medidas drásticas é necessário realizar um diagnóstico sobre o perfil dos guardadores para identificar quais são aqueles que atuam para o crime. A partir daí, destaca, deve-se pensar um plano de ação interdisciplinar, que contemple também aqueles que dependem da atividade para sustentar suas famílias — o projeto de lei que deve ser enviado à Câmara Municipal não prevê alternativas específicas para os cerca de 1,4 mil vinculados a associações que exercem a atividade na Capital.
A falta de definições claras sobre o futuro dos atuais flanelinhas também preocupa a pesquisadora do grupo de pesquisa de Violência e Cidadania da UFRGS, Letícia Maria Schabbach. A professora acredita que extinguir uma atividade sem alternativas de renda às pessoas que vivem dela entra em conflito com a atual conjuntura econômica.
— A proibição não vai acabar com esse serviço. Em vez de extinguir, deveriam profissionalizar. Por que não fiscalizar para oferecer um serviço melhor? Poderiam estabelecer um valor fixo para que o motorista tenha a opção de deixar na rua — avalia.
Os especialistas criticam ainda a iniciativa de aplicar multa a quem for flagrado atuando como flanelinha — o Executivo propõe sanção de R$ 300 que pode dobrar em caso de reincidência. Para o professor da Feevale, a atitude tende a ser inócua, uma vez que pessoas que atuam nessa área, em geral, estão em más condições financeiras.
— Aplicar multa é coisa para inglês ver. Não vai ter impacto, porque nunca vão pagar. As pessoas que estão à frente de algumas secretarias atualmente não têm conhecimento científico e tomam esse tipo de decisão no calor do momento, achando que vão resolver. Mas essas ações podem, no futuro, comprometer ainda mais a segurança — diz Kieling.
Segundo o secretário de Segurança, Rafael Oliveira, o projeto de lei que proíbe os flanelinhas na Capital partiu de reuniões do Gabinete de Gestão Integrada Municipal (GGIM), que inclui representantes da prefeitura, das polícias e de órgãos como o Ministério Público, e é "fruto de uma demanda da sociedade". Ele diz que a prefeitura está criando um escritório de fiscalização que deve englobar representantes de diversas secretarias e ficará responsável pelas autuações. O projeto está em fase final de redação e deve ser encaminhado à Câmara Municipal nos próximos dias.