Sentir-se observado ao caminhar pela rua foi uma constante para quem circulava pela Avenida Borges de Medeiros, no centro de Porto Alegre, na década de 1960. Na esquina com a Rua General Andrade Neves, um prédio em formato de olho capturava a atenção dos pedestres, destacando-se em meio às construções convencionais do entorno.
A edificação, uma espécie de prima gaúcha do Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, foi o pavilhão de Exposições do Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Projetado pelo arquiteto Marcos David Heckman em 1958, o prédio em madeira é anterior ao emblemático museu do Paraná, mas também foi inspirado no trabalho do arquiteto mais famoso do Brasil. Concebido por Niemeyer em 1954, o auditório do Liceu Belo Horizonte, em Minas Gerais, foi a principal referência de Heckman para a obra porto-alegrense.
Apesar de remeter ao formato de um olho, foi apelidado de acordo com as referências da época: ficou conhecido como Mata-Borrão. A base da construção tinha formato de barco, semelhante ao instrumento utilizado para absorver o excesso de tinta do papel antes do surgimento das canetas esferográficas.
— Era para ser uma estrutura temporária para abrigar exposições do governo do Estado, mas ficou ali por um bom tempo. Era muito diferente de tudo o que se tinha visto até então — recorda a arquiteta Anna Paula Canez, autora do artigo Mata-Borrão: um grande olho de madeira no centro da Porto Alegre da década de 1960.
O prédio, localizado onde hoje fica o Tudo Fácil, foi demolido no final dos anos 1960. Professora da UFRGS, a arquiteta só tomou conhecimento dele nos anos 2000 — mais tarde, lembrou de ter visitado o local quando criança. Lecionava na Uniritter quando, em um acervo fotográfico, deparou com uma foto noturna do grande olho iluminado. Impressionada com a beleza da imagem, foi atrás de Heckman, que, inicialmente, negou a autoria.
— À noite, era lindo, parecia que flutuava. O Heckman tinha uma referência presente da obra do Niemeyer, mas se incomodava com a comparação. Mas é um prédio diferente, feito em outro material. Quando voltei a procurá-lo, ele admitiu — conta a professora.
Diferente da solução proposta pelo arquiteto carioca, que projetou a construção pousada sobre o solo, o Mata-Borrão ficava levemente ancorado por pilares de madeira e pela rampa de entrada, deslocada do centro. À noite, as estruturas eram apagadas pela escuridão, ficando em evidência apenas o olho. Dotado de múltiplas janelas de vidro, o edifício com as luzes acesas tornava-se um ponto brilhante, destacado na Avenida Borges de Medeiros.
A opção pela madeira, além de mostrar-se mais econômica e fácil de desmontar, fazia alusão às realizações do então governador Leonel Brizola na área educacional. Conhecidas como “brizoletas”, diversas escolas erguidas durante sua gestão foram construídas com esse material.
— Acho que o arquiteto acertou, foi ousado na forma e cumpriu com o propósito de abrigar as exposições. Ficou na memória de quem viveu, e quem não viveu e vê as imagens daquela época quer saber como aquela nave pousou no centro de Porto Alegre — diz Anna Canez.
Construção quase deu lugar a prédio de Niemeyer
Depois de abrigar por quase uma década com uma construção que lembrava a obra de Niemeyer, o terreno da Avenida Borges de Medeiros chegou muito perto de ter uma edificação projetada pelo arquiteto carioca.
O projeto de um prédio em estilo modernista para a área estava pronto quando foi barrado pela prefeitura de Porto Alegre. À época, o poder público municipal julgou que a proposta de Niemeyer destoaria das demais construções da Borges de Medeiros.
— Por coincidência, houve esse projeto para aquela área. Era de uma arquitetura elegante, mas a prefeitura achou que era moderno demais. No fim, foi construído um prédio quadrado — lamenta a professora da UFRGS.